U@O- Como nasceu
a paixão pela música?
L.C.- No ciclo tive a sorte de conhecer o professor
Carlos Gama. Foi ele que alertou os meus pais para a possibilidade
de eu vir a estudar música.
A coisa na altura não foi de todo fácil. Há
30 anos, um puto chegar a casa e dizer que queria ser músico
era uma coisa complicadíssima. Era uma profissão
mal vista, associada àquela vida de cigano, de andar
de um lado para o outro, às drogas e todas essas
coisas.
Quando tinha 17 ou 18 anos os meus pais perceberam que realmente
era mesmo aquilo que eu queria e apoiaram-me muito mais.
Tive de comprar um piano, o que significaria uns 10 ou 12
ordenados do meu pai.
Depois entrei na parte profissional da música, que
tem corrido bem. Efectivamente, durante o meu percurso musical,
tanto em Castelo Branco como na Covilhã e noutros
locais, tenho encontrado gente boa e tenho encontrado idiotas.
Tudo o resto tem sido muito positivo e passou a ser ainda
mais a partir do momento em que eu vim para a Covilhã.
Fiquei surpreendido pela quantidade de gente com capacidades
musicais que aqui encontrei.
U@O- Qual foi o instrumento que mais lhe despertou
a atenção?
L.C.- Isto é curioso. Eu estudei piano,
que é precisamente o instrumento que mais detesto.
A princípio gostava muito de piano, mas as pessoas
vão evoluindo, vão conhecendo outros instrumentos.
Adoro todos os instrumentos de percussão. Aliás
as minhas sinfonias são repletas de percussão.
Tenho dois instrumentos de que gosto mais - o que a nível
de composição se reflecte - que são
o violoncelo e o oboé. São os instrumentos
que timbricamente mais me atraem.
U@O- O que sente quando compõe?
L.C.- Às vezes envolve-se a situação
de compor em algum romantismo. É aquela história
de que os compositores vão para o campo e estão
a compor e a ouvir os passarinhos. Se eu estiver a compor
num sítio e andarem lá os pássaros
a chatear-me, levam uma pedrada porque o que eu quero
é estar concentrado no que estou a fazer. A atitude
de compor tem a ver com a vivência pessoal de cada
indivíduo. Depois há a parte científica
e o gosto pessoal. O somatório disto tudo é
que dá a composição. Compor não
é nada do outro mundo.
U@O- Qual foi o momento mais alto da sua carreira?
L.C.- A Palestina foi, profissionalmente, talvez
um dos momentos mais altos. Também achei curioso
quando fui recebido pelo Papa. Nessa circunstância
foi mais pelo significado das minhas obras terem ficado
na Biblioteca do Vaticano.
U@O- Como surgiu a oportunidade de ir à
Palestina?
L.C.- A ida à Palestina, pode parecer estranho,
começou com uma brincadeira. Quando estava no governo
o antigo ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, para
além de nunca sermos subsidiados, nunca conseguimos
que ele assistisse a um concerto nosso. Pior do que isso,
nunca conseguimos que ele respondesse aos nossos convites.
Um dia, convidámos o Fidel Castro, o Arafat, o
rei João Carlos, o Saddam Hussein, uma série
de personalidades. Fizemos isto para provar que os grandes
líderes a nível mundial tinham outro tipo
de formação e outro tipo de educação,
que o ministro da Cultura não tinha. Sabíamos
à partida que eles não vinham, mas pelo
menos todos eles tiveram a delicadeza de responder ao
convite. Provámos que o Fidel Castro é mais
educado para uma instituição de cultura
em Portugal que o próprio ministro da tutela. Foi
daí que surgiu o contacto com a Palestina. Fui
informado pela Embaixada desse país que havia um
concurso mundial onde se escolheria um compositor para
criar a obra que assinalava os 2000 anos do nascimento
de Cristo. Eu concorri. Não tinha nada a perder.
Foi uma surpresa quando me participaram que eu tinha sido
o compositor escolhido, até porque conhecemos o
peso que Portugal tem internacionalmente.
U@O- Quando e em que lugar da Palestina se realizou
o concerto?
L.C.- A estreia da oratória foi a 19 de
Dezembro de 1999. Só assistiram individualidades
convidadas. Realizou-se na Igreja de Santa Catarina em
Belém, local onde dizem que nasceu Cristo. Depois,
no dia 24, noite de Natal, repetimos na principal praça
de Belém, Nazareth Square, onde estavam cerca de
15 mil pessoas. O concerto foi transmitido por 43 cadeias
de televisão, nenhuma portuguesa. Claro! Logo em
Janeiro imediato recebemos uma chamada dos Estados Unidos.
Estavam a fazer um programa na cadeia de televisão
ABC que se chamava "Os melhores Natais do mundo".
Telefonaram a informar que o nosso concerto tinha sido
escolhido para ser transmitido.
U@O- Como foi possível conseguir uma actuação
perante o Papa?
L.C.- Foi uma daquelas coisas que me passam pela cabeça. Um dia
cheguei ao ensaio do coro e disse: "Pessoal, eu tenho que falar com o Papa
e nós vamos cantar para ele". Todos acharam que era mais uma brincadeira
minha. Fiz os contactos, tive que mandar imensas cassetes de vídeo e CDs
do coro para analisarem se nós tínhamos nível para cantar
na Basílica de S. Pedro. A partir do momento que acharam que tínhamos
nível, e sendo eu um dos poucos compositores a nível mundial que
ainda escreve música religiosa, acharam que o Papa nos poderia receber
e que as minhas obras ficariam na Biblioteca do Vaticano.
U@O- O que compõe para além de música
religiosa?
L.C.- Já compus sinfonias, já compus
para teatro, para cinema. Música de câmara
componho imenso. Quando a Escola Profissional de Artes
da Beira Interior abriu e os alunos davam os primeiros
passos, quase todas as obras que tocavam eram escritas
por mim. Escrevi muitas músicas para percussão.
Eu não sou a pessoa ideal para dizer o que já
escrevi. Aqui na Associação Cultural da
Beira Interior tenho pessoas que conhecem as minhas obras
todas do princípio ao fim, mas eu não conheço.
Normalmente quando acabo uma obra tenho sempre três
ou quatro encomendadas. Quem quiser pegar nela, pega.
Eu tenho outras coisas para fazer. Já aconteceu
ir de carro e estar a ouvir na rádio um quarteto
de violoncelos que por acaso até me agradava bastante.
Parei numa estação de serviço e tive
curiosidade de saber quem era o compositor. Fiquei espantado
quando percebi que o compositor era eu. Não me
soava estranho, mas não me lembrava que tinha sido
eu que tinha feito aquilo. Isto tem a ver com o ritmo
de vida que eu levo. As coisas passam muito rápido.
U@O- Sente-se realizado profissionalmente?
L.C.- Sim. Só me falta uma coisa e tem a
ver com a UBI. Sinto-me frustrado enquanto a UBI não
abrir os cursos superiores de música. Temos, aqui
na Associação, a Escolinha do Zéthoven.
Começamos com os miúdos aos 4 anos. Aos
12 podemos encaminhá-los para a EPABI onde fazem
o 12º ano. Depois poderiam ir para a UBI, onde seriam
licenciados em música. A cidade passaria a ser
a única no Interior onde havia um percurso musical
com todos os passos até à licenciatura.
Já se falou disto em tempos.
U@O- Que divulgação do vosso trabalho
têm feito em Portugal?
L.C.- Quando gravámos o nosso primeiro CD,
"Música dos nossos avós", tentámos
fazer muita divulgação no nosso País.
Depois surgiu um convite de Porto Rico. Seguiu-se Roma,
onde estreei uma obra minha. No Luxemburgo e na Bélgica
a mesma coisa. Nós tivemos um ano em que demos
mais concertos no estrangeiro do que em Portugal, o que
não deixa de ser curioso.
U@O- Tem alguma história engraçada
que se tenha passado nalguma dessas digressões?
L.C.- Agora sou capaz de lhes achar alguma graça,
mas na altura não teve nenhuma. Foi quando fizemos
um concerto em Nazareth, Palestina. No dia em que actuámos,
havia grandes problemas entre cristãos e muçulmanos.
Estava o coro em cima do palco, decorria o concerto ao
ar livre. De repente começámos a ouvir aquilo
que pensávamos serem foguetes e continuámos
o concerto. As pessoas continuaram a assistir. O que se
passou foi que o lado muçulmano começou
a disparar, porque queriam que parássemos, uma
vez que as músicas eram católicas. O mais
engraçado é que continuámos no palco
perfeitamente descansados. Quando acabámos o concerto,
metemo-nos logo a caminho de Belém com um carro
de polícia. Talvez tenha sido o concerto mais atribulado
que tivemos.
Em Gaza, o concerto correu muito bem. Houve um problema
por culpa minha. É tradição as pessoas
assobiarem quando gostam muito dos espectáculos,
e não baterem palmas. E, antes do concerto começar,
eu fui avisado disso, só que esqueci-me de dizer
ao coro. Portanto, acabou a primeira peça, tudo
a assobiar. O coro completamente desanimado. Eu fazia-lhes
sinais de que estava tudo porreiro, mas claro que eles
não acreditavam porque ouviam os assobios. Então
as peças que são à partida aquelas
que as pessoas mais gostam, era a plateia toda de pé
a assobiar e o pessoal estava desanimadíssimo de
todo.
U@O- Uma mensagem para incentivar a ultrapassar
as dificuldades que surgem para quem quer ingressar numa
carreira musical.
L.C.- A dificuldade maior na música é
a capacidade de trabalho. A pessoa pode ter muito jeito
para a música mas tem de compreender que é
preciso trabalhar muito.
Em cada concerto que fazemos, estamos a ser examinados,
por isso é preciso ter uma grande resistência.
Na música, em Portugal, encontramos muitos idiotas,
por isso é preciso ter uma grande força
psicológica para os combater. É preciso
ter um feitio especial para se fazer música em
Portugal. É mais fácil ser-se músico
no estrangeiro.
U@O - Como define a sua personalidade?
L.C.- Tenho dificuldade em ser subalterno, mas
prazer em sê-lo quando encontro pessoas que sabem
mais que eu, porque sei que vou aprender. Não gosto
de me vergar ao poder político. Considero que os
políticos existem para eu os utilizar, e não
para eles me utilizarem a mim. Serei talvez uma pessoa
propícia aos conflitos. Às vezes penso no
que ficou para trás, para ver o que posso melhorar
no futuro. Só chego a uma conclusão que
me deixa descansado: os conflitos que eu tenho são
directamente proporcionais à quantidade de ignorantes
que conheci.
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