MEDULA
Edmundo Cordeiro
Quando há dez anos
cheguei pela primeira vez a Braga vi um ceguinho que conhecia
de Lisboa. Isso fez-me suspeitar de uma rede de cegos
semelhante à de HERÓIS E TÚMULOS,
de Ernesto Sábato.
Uma mulher, ao meu lado, para o empregado:
"Traz-me um guardanapo ó Custódio!
Julgas que vim de saias?".
No comboio. Duas telefonistas veteranas.
Falam sobre atendimento de chamadas. "Quem é
que está ao telefone?"
"Com quem
deseja falar?"
"Quem é que está
ao telefone?"
"Perdão, sou a Judite.
Conhece a Judite?"
"Não!"
"Isto é um SERVIÇO. Com quem deseja
falar?"
Não passei o ano de 1993 para
1994 a ler a SEGUNDA INTEMPESTIVA, como tinha planeado,
mas na Avenida de Roma, a caminho de casa. Ia ver o último
filme de Lawrence Kasdan, mas afinal estava fechada a
sala de cinema. As pessoas batiam tampas de panelas, convictamente,
à janela: que era o ano novo, bom ano! Eu tinha
sido apanhado por isso de repente. Nem sequer me passou
pela cabeça não acreditar no calendário,
como fazem os mais avisados.
"Não é simples cansaço,
eu não estou simplesmente cansado, apesar da subida."
(Samuel Beckett, NOUVELLES ET TEXTES POUR RIEN)
"Que me peçam o impossível,
está certo, que outra coisa me poderiam pedir?"
(Samuel Beckett, L'INNOMMABLE)
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