Utopia
Thomas More

Por Catarina Moura


Utopia (do grego ou-topos): lugar nenhum.

A história de Utopia chega a More através do velho e sábio viajante português Rafael Hitlodeu, um fiel representante do rei filósofo de Platão, autor cuja influência impregna toda a obra. Utopia é o nome de uma ilha inventada por Thomas More para abrigar aquilo que considera uma sociedade ideal. Daí que com o tempo, o termo utopia tenha passado a simbolizar a perfeição, aquilo que desejamos mas está em lugar nenhum, o inalcansável. No entanto, para More Utopia é aquilo para que devemos tender, é o ideal que, mesmo que nunca alcancemos, devemos tentar concretizar.
Talvez por isso, o autor localiza Utopia não no imaginário mas algures no Novo Mundo, o recém descoberto continente americano. Homem do Renascimento, está imbuído da esperança de uma nova era. Uma nova era que podia passar por um novo espaço, onde fosse possível ao ser humano romper com o corrompido mundo europeu e começar tudo de novo.
Revoltado contra o dinheiro, a desigualdade material, e a concentração de riqueza e propriedade, características da sociedade burguesa, corrupta e violenta da Inglaterra do século XVI, governada por Henrique VIII, More imagina uma ilha onde o bem individual é submetido ao bem geral, transformando a comunidade numa "grande família", onde a propriedade privada é abolida, bem como o luxo, a injustiça, o orgulho, a vaidade e a violência. Nesta sociedade, governada pela sabedoria dos mais velhos, as crianças são educadas para detestar o metal, matéria com que são fabricados os urinóis e as algemas dos escravos, símbolos repulsivos. Por outro lado, os copos e os pratos são feitos de barro, o que leva as gentes de Utopia a valorizar a simplicidade. A escravidão é uma condição reservada a criminosos ou soldados estrangeiros vencidos. Mas o filho de um escravo não será escravo, e o criminoso verdadeiramente arrependido poderá deixar de o ser, tal como o soldado que absorva a cultura da ilha. A força de trabalho é a do homem livre. E todo o homem livre tem direito à educação, que é oferecida e cultivada com esmero. Embora o Deus utópico seja similar ao cristão, omnipotente e omnipresente, a sociedade tolerava outros cultos e religiões. Na sociedade utópica, a ética e a religião pautam-se pela busca do prazer e da felicidade, sem que tal prejudique o bem comum - pelo contrário, prazer, felicidade e bem comum são pensados intrinsecamente, como um todo.
Imaginar uma sociedade ideal não faz de More um inocente. Pelo contrário, a sua lucidez e inteligência eram famosas e fizeram dele conselheiro indispensável de príncipes e nobres. More tinha perfeita consciência de que os poderosos não quereriam o mundo que ele propunha, pois este implicaria a perda de todos os seus privilégios. Mas esta obra não é uma divagação. O autor sonhava com a sua concretização, pela mão dos sábios, que conduziriam o povo ao Novo Mundo, sem a ajuda ou conhecimento de nobres ou burgueses. O objectivo era preparar cuidadosamente a revolução e anunciá-la aos inimigos apenas no momento certo. Como diz Hitlodeu: "O que vos digo em voz baixa e ao ouvido, pregai-o em voz alta e abertamente".
A revolução, no entanto, nunca chegou. E a sua lucidez e integridade fizeram com que, ao criticar a conduta de Henrique VIII, este o condenasse à morte, sem hipótese de perdão.