ESFREGÃO


Edmundo Cordeiro

De Henri Michaux, do livro MES PROPRIÉTÉS, editado em conjunto com LA NUIT REMUE na Gallimard (nova edição revista e corrigida, 1967), o texto UN CHIFFON, na tradução de José Carlos González para a Fenda (Henri Michaux, AS MINHAS PROPRIEDADES, 1998):

"UM ESFREGÃO

Raramente encontrei na minha vida pessoas que precisassem de ser reanimadas a cada momento como eu.

Na sociedade, já não me convidam. Passada uma hora ou duas (em que me porto mais ou menos como a média das pessoas) fico como um esfregão. Fico prostrado, quase não existo, o meu casaco cai sobre as calças caídas.

Então, as pessoas entretêm-se com jogos de sociedade. Vão depressa buscar o que é preciso. Uma delas atravessa-me com uma lança, ou então serve-se dum sabre. (Existem, ai de mim! Panóplias em todas as casas.) Uma outra vibra-me alegremente grandes golpes de clava com uma garrafa de vinho do Moselle, ou com uma daquelas grandes de dois litros de Chianti. Uma pessoa encantadora dá-me vivos pontapés com os saltos altos. O seu riso é de taça de champagne, seguem-na com interesse, e o seu vestido ondula suavemente. Toda a gente se diverte imenso.

Entretanto, eu reanimei. Escovo rapidamente a roupa com a mão, e saio descontente. Todos sufocam a rir atrás da porta.

As pessoas como eu é melhor viverem eremitas, é preferível."