Por Sérgio Felizardo
NC/Urbi et Orbi


A Central de Compostagem e o Aterro Sanitário da Quinta das Areias permitem o tratamento de 50 mil toneladas de resíduos por ano

No momento em que o primeiro-ministro António Guterres entrou, na sexta feira, 6 de Julho, na sala de controlo da Central de Compostagem da Associação de Municípios da Cova da Beira (AMCB) e premiu o botão de arranque das máquinas, a região entrou numa nova era em termos ambientais. António Guterres, acompanhado pelo ministro do Ambiente, José Sócrates, inaugurou uma estrutura que promete não só acabar definitivamente com as lixeiras, como também aproveitar a matéria orgânica dos resíduos, eliminar irrecuperáveis em aterro sanitário próprio e encaminhar materiais para a reciclagem.
Construída na Quinta das Areias, concelho do Fundão, por um consórcio liderado pelo grupo HLC, a Central demorou mais de dois anos a erguer e representa, só por si, um investimento de três milhões e meio de contos (apoiado pelo FEDER, no âmbito do II Quadro Comunitário de Apoio). É a conclusão da primeira fase do Sistema Integrado de Recolha e Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos (SIRTRSU), que abrange os 14 municípios associados e serve uma população de quase 215 mil habitantes. A capacidade de tratamento atinge as 50 mil toneladas anuais e inclui um processo paralelo de controlo de potenciais impactes ambientais. Tudo feito de forma a proteger ao máximo o ambiente e retirar dos perímetros urbanos todos os inconvenientes dos lixos depositados a céu aberto. Uma tarefa que a AMCB chama a si, mas para a qual pede "a imprescindível colaboração das populações dos municípios da Covilhã, Fundão, Belmonte, Penamacor, Manteigas, Guarda, Sabugal, Almeida, Pinhel, Trancoso, Figueira de Castelo Rodrigo, Meda, Fornos de Algodres e Celorico da Beira". "A partir do momento em que passarmos à segunda fase deste projecto, ou seja a Recolha Selectiva de Resíduos Sólidos Urbanos e respectivo transporte para a Central, com a instalação de ecopontos, ecocentros e centrais de transferência, se a maioria das pessoas não estiver sensibilizada e não separar os seus lixos, estará a deitar por terra um investimento de cerca de sete milhões de contos", justifica o administrador delegado da Associação, Alcino Meirinhos. Um dos objectivos prioritários é, por isso, passar a mensagem de que "com a Central de Compostagem a funcionar e com os cidadãos a seleccionarem devidamente os resíduos que produzem, é possível criar uma alternativa sustentada, com futuro e com vantagens claras, em termos ambientais, para toda a comunidade". "É importante que as pessoas se apercebam do que vai acontecer a partir de agora e que saibam que o Sistema não vive do ar. O simples facto de não depositarem, de não reciclarem, implica custos acrescidos e todos nós pagamos por isso", alerta o responsável.

Fertilizante mais barato e ecológico

A Central de Compostagem, apesar do "aquecimento de motores" marcado pela sua inauguração na sexta feira, não começa já a laborar. As máquinas vão ainda sofrer as últimas afinações antes dos testes de produção de composto começarem efectivamente.
A Central, que vai ser explorada durante 25 anos pela HLC Beira - Tratamento e Valorização de Resíduos, S.A., tem modelo francês (ver caixa ao lado) e baseia-se num processo de decomposição biológica, cuja intenção é valorizar e reaproveitar a matéria orgânica contida nos resíduos. Matéria que dá origem a um produto estável, denominado composto, com aplicação na agricultura e jardinagem. Dentro de alguns meses, tempo necessário para que as máquinas funcionem correctamente e para que o próprio produto esteja em condições, os agricultores podem adquirir composto a granel na própria Central. Ainda não há preços definidos, no entanto, realça Alcino Meirinhos, a ideia é que "os interessados o procurem como uma alternativa, naturalmente mais barata, aos produtos químicos. As vantagens são muitas "e não se ficam só pela fertilização", assegura o administrador delegado: "Há o melhoramento da estrutura do solo e da capacidade de retenção de água, a supressão de doenças das plantas e a possibilidade de ajudar na recuperação de terrenos contaminados quimicamente. Temos é que, em conjunto com as suas associações, com a DRABI e com as adegas cooperativas, por exemplo, sensibilizar os agricultores para que o venham cá buscar e o apliquem".
Resultado de uma fermentação acelerada, causada por uma aspiração de ar forçada que, durante 12 dias, mistura oxigénio na matéria orgânica, enquanto esta é revolvida e molhada (ver caixa ao lado), o composto assume-se, conclui Meirinhos, "como um produto totalmente ecológico, capaz de dar outra dimensão ao simples lixo que todas as pessoas produzem em casa".




  Tratamento mais limpo e sem lixeiras

O Centro de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos é constituído pela Central de Compostagem e Aterro Sanitário, e está programado para respeitar todas as normas ambientais europeias e nacionais.
O processo dispensa os habituais cheiros desagradáveis provocados pelas emissões gasosas e está dotado de uma ETAR para tratamento de efluentes líquidos contaminados (lixiviados) produzidos. Os odores, por sua vez, são eliminados e tratados através de um biofiltro. "O ar exalado pela matéria orgânica durante o processo de fermentação é puxado por tubagens e encaminhado para um edifício, contíguo à estrutura principal, revestido de folha de coco. Aí circula e o odor é retido por micro-organismos", explica o responsável. O método é ecológico e, sublinha Rui Baptista, futuro director técnico da produção, culmina da melhor forma todo o ciclo por que passam os resíduos a partir do momento em que chegam à Quinta das Areias.
Para além disso, significa o fim das lixeiras nos 14 municípios associados, em que se inclui o Souto Alto. Alvo de inúmeras críticas por parte de ambientalistas e moradores, este aterro controlado vaio ser selado, encerrado e recuperado. A Associação de Municípios da Cova da Beira (AMCB) tem vários projectos para ocupar o espaço e, embora nenhum seja, para já, definitivo, os responsáveis pretendem erguer uma nova sede, um Centro de Documentação Ambiental e um circuito onde as pessoas possam tomar contacto com todo o processo da reciclagem.

Do lixo ao composto agrícola

O ciclo da Central de Compostagem começa com a pesagem dos camiões provenientes de todos os concelhos associados. Os resultados são contabilizados pelo sistema informático que emite os respectivos talões e facturas relativas à deposição. Para já, avança o engenheiro, "enquanto a Recolha Selectiva não estiver incrementada em pleno, o lixo passa todo junto para o chamado tratamento físico, onde se efectua a separação entre matéria orgânica, recicláveis e rejeitados". Os tapetes rolantes levam,, então, o material até um primeiro crivo (processo que se irá repetir, pelo menos mais duas vezes), uma espécie de turbina revestida que por redes de vários tamanhos e que funciona como um peneiro. Ou seja, vai separando o material consoante o tamanho: "As coisas mais grossas caiem num sítio, as mais finas noutro e o material de maiores dimensões, como as embalagens, por exemplo, segue para uma sala de triagem manual". Aqui, continua Rui Baptista, "seis trabalhadores, devidamente protegidos e em ambiente climatizado, escolhem o que pode ser reciclado e rejeitam o resto, que, posteriormente, volta à zona de recepção para ser compactado e levado para o Aterro sanitário".
A matéria orgânica, por sua vez, continua a "caminhada" até chegar ao composto final. É aqui que o processo entra na sua fase mais característica: o processo "SILODA". O futuro director da produção descreve: "O "SILODA" é, basicamente, um método de fermentação acelerada. O material orgânico chega à zona dos silos num tapete, depois de passar nos crivos e no detector de metais, e começa a ser despejado. O primeiro silo demora cerca de dois dias a encher. Cada receptor tem aspiração forçada de ar e é percorrido por uma máquina ("Roda SILODA"), que funciona num princípio semelhante ao da ceifeira. Isto é, anda num carril que, ao mesmo tempo que revolve a matéria orgânica e lhe junta água, passa-a, também, de silo para silo". Ao fim de 12 dias e chegado ao último "recipiente", o composto é retirado para o exterior onde permanece um mês e meio em maturação. A partir daqui, e após uma última afinação que o vai deixar com um aspecto "tipo terra", está pronto para ser comercializado e aplicado na agricultura.




  Sistema de transporte inovador
Prioridade à Recolha Selectiva

As grandes distâncias entre os 14 concelhos da Associação de Municípios da Cova da Beira (AMCB) e o Centro de Resíduos Sólidos Urbanos (CRSU) motivou a projecção de infra-estruturas de apoio à recolha indiferenciada e selectiva, bem como à deposição de resíduos.
O processo começa com os ecopontos (contentores para papel/cartão, vidro, embalagens e pilhas) instalados perto das pessoas, e com os ecocentros, construídos nas sedes de concelho. Espaços preparados para receber grandes quantidades de desperdícios, ou então volumes de elevada dimensão. Os chamados "monstros" (restos de obras de construção civil, electrodomésticos, colchões e outros materiais). Tudo o que seja recolhido nestas estruturas é encaminhado para a Central de Triagem. A construção do edifício está, ainda, em fase de análise de propostas, mas, segundo o administrador delegado da AMCB, Alcino Meirinhos, deverá estar concluído até Dezembro. Nesta Central separa-se, manual e mecanicamente, o material, enfarda-se, armazena-se, limpa-se e encaminha-se para a Sociedade Ponto Verde (no caso das embalagens e vidro), ou para outras entidades recicladoras. O investimento previsto é de 200 mil contos e a Associação espera que possibilite atingir as metas de reciclagem previstas pela directiva comunitária que aponta que, até 2005, 25 por cento da totalidade dos materiais de embalagem sejam recuperados.

Semi-reboques únicos no País

O Sistema Integrado de Recolha e Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos (SIRTRSU) da Cova da Beira está dotado de um método de transporte inovador em Portugal.
Para as localidades mais afastadas da Central de Compostagem, a AMCB resolveu adoptar Estações de Transferência dotadas de semi-reboques que utilizam um sistema de placas móveis, capaz de ir encostando os resíduos ao fundo do contentor à medida que são introduzidos. Alcino Meirinhos descreve o método importado de Espanha: "As Estações de Transferência, a instalar em oito municípios, serão dotadas de dois semi-reboques (14 no total). Quando um enche segue para a Central de Compostagem, enquanto fica outro a encher".
Ao mesmo tempo que estão em movimento, os camiões, com os semi-reboques atrelados, funcionam como parte integrante da Campanha de Educação, Informação e Sensibilização Ambiental (CEISA). Decorados com desenhos feitos por crianças do 1º Ciclo, no âmbito de um concurso promovido pela AMCB, os "contentores móveis" vão tentar passar uma mensagem ecológica. Os primeiros, a apresentar hoje, sexta-feira, 6, durante a cerimónia de inauguração da Central de Compostagem, são ilustrados com um trabalho elaborado por uma criança da Guarda. Para o ano o concurso repete-se.