O número de imigrantes de
Leste em Portugal tem crescido exponencialmente nos últimos
anos. À Covilhã também chegaram muitos
cidadãos da Ucrania em busca de trabalho bem remunerado
e melhores condições de vida
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Imigrantes na Covilhã
Tudo por uma vida melhor
A Covilhã
é cada vez mais um pólo de atracção
para imigrantes de todos os cantos do mundo. Siberianos,
chineses, ucranianos, cidadãos do Bangladesh
e outros, procuram uma vida melhor na cidade serrana.
Cozinheiros, comerciantes, trabalhadores da construção
civil, mineiros, deitam mão a todo o tipo de
trabalho para juntar dinheiro e poder regressar ao seu
país.
Os motivos que os trouxeram, os percalços porque
passaram para cá chegar e as dificuldades que
muitos deles vivem são aqui revelados.
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Por Ana Maria Fonseca
e Mariana Morais |
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É meio dia. Como
todas as quartas feiras, Oksana pica cebola para a feijoada
serrana. Este prato não faz parte da gastronomia
ucraniana mas é muito apreciado pelos covilhanenses
que frequentam a tasca do Augusto, onde ela é cozinheira.
Oksana era engenheira civil na cidade de Kiróvogrado,
situada a 230 quilómetros de Kiev, capital da Ucrânia.
Quando chegou a Portugal, em Janeiro deste ano, não
pensava dedicar-se à cozinha. Casada com Aleksandr,
motorista de 43 anos, tem quatro filhos, que deixou na Ucrânia
ao cuidado de uma irmã. Os 23 mil escudos que ganhava
mensalmente, mal chegavam para acudir às necessidades
elementares da família. "A vida lá é
muito cara. O ordenado de um mês não chegava
para as despesas com a renda de casa, a assistência
médica e a educação das crianças",
lamenta esta imigrante de 31 anos.
As mesmas razões trouxeram para Portugal outros cidadãos
ucranianos. Oleg, Andrei e Nicolai trabalharam nas obras
do Pelourinho, durante três meses, 12 horas por dia,
juntamente com outros compatriotas. Apesar de estarem legalizados,
viram-se obrigados a rescindir o contrato com a empresa
onde trabalhavam, por esta ter estado mais de dois meses
sem lhes pagar. Neste momento trabalham nas minas da Panasqueira.
O desconhecimento da língua portuguesa e a ignorância
relativamente às leis do trabalho tornaram-se os
obstáculos mais difíceis de ultrapassar. Para
tal tiveram o auxílio da União dos Sindicatos
de Castelo Branco no esclarecimento de dúvidas e
que os acompanhou nas suas reivindicações.
Andrei é pedreiro e tem 28 anos. Alto, rosto anguloso
e olhar apreensivo, é natural de Vinitsa, uma cidade
do centro da Ucrânia, situada a 260 quilómetros
de Kiev. Com um súbito sorriso fala do filho de cinco
anos e da mulher que é empregada bancária
em Vinitsa. Ganha quatro mil e quinhentos escudos por mês,
o que corresponde a seis anos de trabalho para o pagamento
das despesas de viagem do marido. Para chegar à Covilhã,
Andrei pediu um empréstimo de 330 mil escudos a um
"senhor ucraniano". Todos
os meses é obrigado a descontar 16 mil e 500 escudos
do ordenado para pagar a dívida.
Depois da Perestroika, em 1992, pensaram que a situação
iria melhorar. Mas pouco depois tudo piorou "Hoje há
muito desemprego porque muitas fábricas fecharam.
Há muitos e bons especialistas desempregados",
explica Aleksandr, marido de Oksana.
Do Oriente para a Covilhã
Mas não só os ucranianos procuram a cidade
serrana em busca de uma vida melhor. Antes deles, chineses,
indianos, brasileiros e cidadãos naturais do Bangladesh
estabeleceram-se na Beira Interior.
Situado no Centro Comercial Monteverde, o restaurante
Grande Muralha serve comida chinesa. Um espaço
cheio de símbolos orientais, onde sobressai um
dragão, uma fonte de flamingos e um quadro representando
a Grande Muralha da China, convidam a uma refeição
do outro lado do mundo.
É aqui que trabalha Zhu Jibqi, um jovem chinês
de 24 anos, a residir há 14 em Portugal. Zhu Jibqi
e a sua família, oriundos de uma pequena cidade
perto de Xangai, vieram para Portugal à procura
de uma vida melhor. Com um bilião e duzentos milhões
de habitantes, a China é o país do mundo
com maior número de população por
quilómetro quadrado. "Na China as pessoas
são pobres e emigram para ganhar dinheiro",
comenta o jovem oriental.
Num português reticente, Zhu Jibqi conta que na
sua região a emigração é fundamentalmente
para Portugal e Espanha. "Viemos para cá porque
a nossa família já tinha um restaurante
em Castelo Branco". Este jovem namora uma rapariga
chinesa que trabalha em Abrantes, também no ramo
da restauração. Apesar de viver há
14 anos em Portugal, primeiro no Porto, depois em Castelo
Branco e desde há cinco anos na Covilhã,
não tem amigos portugueses. Por outro lado, os
dois irmãos nascidos já em território
nacional, convivem diariamente com crianças portuguesas.
A escola ajuda-os a quebrar as barreiras culturais próprias
de povos tão diferentes.
Fugir à pobreza
O Bangladesh é um país de extrema pobreza.
A maioria dos seus 116 milhões de habitantes trabalha
na agricultura. Possuidor de uma indústria muito
reduzida, detém uma das mais altas taxas de mortalidade
infantil do mundo. Deste país que faz fronteira
com a Índia vieram para Portugal há seis
anos, Mohamed Kamal e Jahangir Mojumdek. Estão
na Covilhã desde Janeiro de 2001. No Bangladesh
estudavam economia e contabilidade. Agora são proprietários
de uma loja no Sporting Shopping Center da Covilhã.
"Ainda não voltei ao meu país, mas
gostaria. Tenho vontade de ver os meus
pais que ficaram lá.", refere com saudade
Kamal, de 27 anos. Jahangir e Kamal são os mais
velhos de uma família de cinco irmãos e
emigraram para fugir à pobreza.
Desconfiados, mostram-se reticentes em tirar uma fotografia.
"No nosso país os jornalistas dizem mentiras",
explica Kamal com uma expressão apreensiva.
Também referindo-se aos jornalistas, a ucraniana
Oksana Ostarchuk conta que há muita corrupção
na Ucrânia. "Os jornalistas que denunciam estas
situações são perseguidos e alguns
abatidos. Ser jornalista na Ucrânia, é hoje
uma profissão muito perigosa."
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Matemáticos
russos na UBI
Há
licenciados de países do Leste europeu que
vêm para Portugal trabalhar em empregos não
correspondentes com a sua formação académica.
Tal não acontece aos docentes que actualmente
leccionam na UBI.
Muitos professores da UBI vieram de países
estrangeiros. Da Rússia à Mongólia,
da Ucrânia ao Irão, estes imigrantes
escolheram a cidade serrana para viver, fugindo, muitas
vezes, a situações insustentáveis
na sua terra natal. Ao contrário de outros
compatriotas seus, tiveram a sorte de continuar a
exercer a profissão para a qual se prepararam
durante anos a fio.
Stanislav
Antontsev, professor catedrático do Departamento
deMatemática-Informática, está
na Covilhã há cinco anos. Antes de chegar
à UBI, Antontsev esteve dois anos a trabalhar
na cidade de Oviedo, nas Astúrias, a convite
do governo espanhol. Durante esse tempo participou
numa conferência na UBI, tendo sido convidado
a leccionar a disciplina de Matemática nesta
universidade.
A sua expressão reflecte a saudade do tempo
em que dava aulas em Novosibirsk, capital da Sibéria.
Stanislav sempre gostou de ser professor, mas não
pensa regressar à Rússia. As expectativas
sobre a evolução do seu país
não são optimistas. "O ensino secundário
na Rússia, antes da Perestroika, era muito
exigente. Por isso os alunos ingressavam no ensino
superior bem preparados e agora isso não acontece",
refere o docente. "Em Portugal, os alunos universitários
são simpáticos, mas vêm mal preparados
do ensino secundário", conclui.
Vinhos,
Literatura e Natureza
Alto,
cabelos brancos e uma expressão amigável
no olhar, Antontsev fala com carinho do nosso País.
"Já conheço Portugal quase todo,
de Faro a Viana do Castelo", comenta com um
sorriso caloroso. "Gosto muito da natureza
do vosso País, e em particular da Serra da
Estrela", salienta. Continua a gostar de vodka,
mas já conhece e aprecia os vinhos nacionais.
Piornos, Borba e Porta da Ravessa são os
seus preferidos.
Vadim Iourinski, também ele natural de Novosibirsk
e professor catedrático na UBI, é
grande conhecedor da cultura portuguesa e aprecia
especialmente a nossa literatura. José Saramago,
António Lobo Antunes, Vergílio Ferreira
e Eça de Queirós são autores
que lhe despertam interesse. Para este siberiano
de meia idade, professor de Mecânica, há
algo que aproxima o povo português do russo.
"Alguma coisa temos em comum: O orgulho de
uma qualidade muito portuguesa e especialmente russa
que se chama saudade", refere, sublinhando
que até na música essa semelhança
se destaca. "Os portugueses gostam muito de
dizer que o fado é a canção
mais triste do mundo. O mesmo dizemos das nossas
canções", conclui.
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300
ucranianos no distrito
O
processo de legalização não
é da responsabilidade dos sindicatos, mas
há quem recorra a esta entidade para obter
ajuda no processo. Quem emigra sabe, à partida,
que terá de se legalizar. Apesar disso, há
quem decida arriscar-se na ilegalidade, ficando
sujeitos a que terceiros tirem proveito dessa situação.
Há empresários que não hesitam
em contratar mão de obra ilegal, sabendo-a
mais barata e vulnerável. As empresas contratadoras,
ao não declarar às Finanças
e à Segurança Social os rendimentos
relativos aos trabalhadores estrangeiros, ficam
com mais dinheiro nos cofres. Aparentemente, também
os imigrantes são beneficiados porque, não
pagando as suas contribuições fiscais,
totalizam mais rendimentos no fim do mês.
Esta solução ilusória nem sempre
corre bem. Mas muitas vezes os fins justificam os
meios, uma vez que o objectivo que os faz sair do
seu país é amealhar o mais possível.
Pretendem um dia, não muito distante, regressar
à terra natal e realizar os seus sonhos.
Segundo dados do Serviço de Estrageiros e
Fronteiras (SEF), desde Janeiro deste ano foram
emitidas autorizações de permanência
a cerca de 20 mil cidadãos provenientes da
Ucrânia. Deste total, cerca de oito mil autorizações
foram passadas pela Direcção Regional
do Centro do SEF.
Neste momento são mais de 300 os imigrantes
ucranianos legalizados a trabalhar no distrito de
Castelo Branco.
Para pagar o visto e a viagem, a maioria dos imigrantes
endivida-se. Apesar do visto de entrada em Portugal
ser dos mais baratos da Europa, ainda assim custa,
no mínimo, 100 mil escudos, podendo atingir
os 132 mil escudos. Ao todo, chegar a Portugal custa,
na melhor das hipóteses, 330 mil escudos.
Portugal
acolhe 180 mil imigrantes
Portugal
é cada vez mais procurado por imigrantes
de várias partes do globo. Segundo dados
do SEF actualmente, o continente e as ilhas contam
com uma população de cerca de 180
mil estrangeiros. Este valor representa um crescimento,
desde 1980, de cerca de 250 por cento. A inserção
de Portugal na União Europeia torna-o particularmente
atraente para estas populações oriundas
de países economicamente desfavorecidos.
Sendo a Covilhã uma cidade em crescimento,
tem sido procurada nos últimos tempos por
cidadãos estrangeiros das mais diversas profissões.
Professores, dentistas, comerciantes e trabalhadores
da construção civil instalam-se e
fazem desta pacata cidade a sua primeira casa.
O Governo português está atento ao
número crescente de imigrantes e, nesse sentido,
foi criado o programa "Portugal Acolhe",
como um primeiro passo para a sua integração.
Em Julho será lançado um Guia de Acolhimento
em ucraniano, romeno, russo, inglês e francês,
que incluirá um dicionário de expressões
básicas, informações e telefones
úteis. Em breve irão decorrer acções
de formação de língua portuguesa.
O objectivo deste programa, da responsabilidade
do Ministério do Trabalho e da Segurança
Social, é promover uma melhor integração
dos trabalhadores imigrantes no nosso País.
Na mesma linha de acção, o Conselho
de Justiça e Assuntos Internos da União
Europeia tem vindo a debater, embora com pouco sucesso,
o problema da reunificação familiar
dos imigrantes. Em causa está a possibilidade
de lhes ser concedido o direito de trazerem para
o país de acolhimento a família, que
deixaram no país de origem.
Oksana ainda não sabe desta possibilidade.
As saudades cada vez maiores que sente dos seus
quatro filhos são por momentos atenuadas
com a leitura das cartas que recebe de vez em quando.
Há dias, a filha mais nova de cinco anos,
Tânia, mandou-lhe um desenho. "Isto está
a ser muito duro", desabafa Oksana.
Este é apenas um dos muitos casos vividos
por milhares de cidadãos de todo o mundo,
que escolhem Portugal para trabalhar e viver.
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