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Ver o primeiro cinema
No primeiro domingo de
cada mês, o programa "Onda Curta" (RTP
2) oferece-nos a possibilidade de ver as primeiras imagens
em movimento registadas pelo cinematógrafo dos
irmãos Lumière.
O contributo para o cinema de Louis
e Auguste Lumière é extremamente importante.
Eles foram os inventores do cinematógrafo, uma
máquina que permitia, não só gravar
e projectar imagens em movimento mas, também, duplicar
película. O cinematógrafo era uma síntese
de inventos anteriores. As experiências de físicos
sobre as ilusões ópticas e as experiências
de químicos e alquimistas sobre a fixação
de imagens em película, permitiram aos irmãos
Lumière avançar para a construção
de uma máquina que fosse capaz de fazer algo absolutamente
essencial para o cinema: a exibição pública
de imagens em movimento.
Os irmãos Lumière não
acreditavam na evolução do seu invento,
diziam que o interesse do público era uma moda
passageira, e o cinematógrafo estava ao mesmo nível
que qualquer outro invento científico, ou seja,
tinha a capacidade de ser utilizado para investigações
científicas, por exemplo, analisar o crescimento
de uma planta, o galopar dos cavalos, etc. Os seus esforços
viraram-se então, para a construção
e comercialização do seu invento. Mas, o
seu maior contributo para o cinema foi o de enviarem operadores
seus pelo mundo, a fim de recolherem imagens que satisfizessem
o apetite do público e lhes permitisse, constantemente,
mostrar a novidade que era projectar imagens em movimento.
O chamado primeiro cinema, ou seja,
os primeiros 10 anos que se seguiram à celebrérrima
primeira exibição pública do filme
La sortie des ateliers Lumière, que teve
lugar em 28 de Dezembro de 1895, no Grand Café
du Boulevard des Capucines, em Paris, é o momento
fundador de uma arte (a sétima) na altura e ainda
hoje, nova. Do ponto de vista da História do Cinema,
há um consenso generalizado sobre as características
deste primeiro cinema: gravam-se e projectam-se imagens
do quotidiano (representação realista do
mundo), uso de um único plano fixo. A fotografia
(a imagem fixa) contribuiu para a singularidade destes
pequenos filmes. Das experiências fotográficas
herdou-se o rigor e preocupação pelo enquadramento
e composição dos planos.
Do ponto de vista da História
do Cinema existe um consenso generalizado sobre o verdadeiro
contributo dos irmãos Lumière. A saber,
todos os filmes fazem parte de um momento embrionário
do cinema. Os filmes são vistos na perspectiva
de aí se encontrar o prenúncio do que viria
a ser o cinema: em L'Arroseur arrosé, o
filme cómico, em Dejeneur du bébé,
os chamados homemovies, em L'Arrivée
d'un Train, toda, ou quase toda, a escala de planos,
em Demolition d'un mur, a possibilidade do cinema
manipular o tempo, e assim por diante. Aos poucos ia-se
descobrindo as potencialidades do novo meio, é
disso exemplo o registo do primeiro travelling.
Um dos operadores formados por Lumière, Promio,
estava em Veneza, na Primavera de 1896. Aí verificou
(muito oportunamente) que se o cinema podia reproduzir
objectos móveis, também seria possível
reproduzir, por meio do cinema móvel, objectos
imóveis. Colocou então o cinematógrafo
numa gôndola e fez o primeiro travelling.
A ideia pegou. A partir daí registaram-se imagens
a partir de comboios em movimento, balões, etc.
Mas, o público cansou-se destas
tomadas de vistas e aplaudiu a chegada de registos que
demostravam a considerada verdadeira vocação
do cinema: contar-nos uma história. O público
deixou de se emocionar com os simples registos do quotidiano
e emocionou-se com as histórias que lhe eram contadas.
Esta sua vocação permitiu-lhe evoluir, não
só com a apresentação de novas histórias
como no modo como no-las conta.
Hoje em dia, a chamada Nova Historiografia
veio lançar um novo olhar sobre o primeiro cinema
e dizer, no essencial, que não devemos julgá-los
tendo em conta uma concepção que lhes é
exterior e que hoje impera, designadamente, aceitar que
a verdadeira vocação do cinema é
ser narrativo.
Estes pequenos (apenas no sentido
de tempo cronométrico) registos valem por si e
não por uma concepção de cinema que
lhes é exterior. Ver o primeiro cinema é
aprender a ver cinema e aprender que o cinema é
maior que algumas concepções que dele se
fazem. Refiro-me à suposta natural vocação
narrativa. Esta é apenas uma das suas vocações.
Não é necessariamente obrigatório
concentrarmos todos os esforços em apresentar o
desenrolar de uma acção, com base num argumento
anteriormente escrito.
O "Onda Curta" faz questão de nos mostrar
durante 30 minutos seguidos, pequenos filmes. É
de louvar esta insistência em dar-nos a ver para
aprendermos a ver. Este tempo todo em que muitas imagens
em movimento nos passam à frente dos olhos, mostram-nos
o primeiro cinema no seu melhor: a sua capacidade em transmitir-nos
emoções.
Para quem se interessa por cinema é absolutamente
obrigatório ver muitos filmes do primeiro cinema
e, eventualmente, concluir que se o cinema é capaz
de nos emocionar ao contar-nos uma história, poderá,
também, emocionar-nos sem nos contar uma história.
O cinema tem a capacidade de estimular a nossa sensibilidade,
com história ou sem história. Em grande
parte, será por causa disto mesmo que o cinema
é Arte. O primeiro cinema poderá então,
fazer-nos recuperar a sensibilidade perdida.
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