DOENÇA
Edmundo Cordeiro
Os acontecimentos? Dar
conta deles (eis como "dar conta" quer aqui
dizer "dar cabo", isto é, "dizimar"
os acontecimentos) do ponto de vista histórico
implica a atribuição das propriedades da
sucessão temporal à existência. Temos
assim como consequência a desapropriação
do presente, a redução do passado a um facto,
um "em si" desligado do presente - a anulação,
pois, do não-histórico, do não-histórico
que se opõe ao histórico, e que é,
nos termos de Nietzsche, origem da história.
Nietzsche: "Um fenómeno
histórico pura e completamente conhecido e reduzido
a um facto epistemológico, morreu para quem o conheceu,
porque nele descobriu a ilusão, a injustiça,
a paixão cega e, de uma maneira geral, toda a sombria
aura terrestre do fenómeno, ao mesmo tempo que
a sua importância histórica. E esta importância
torna-se impotente para o sábio, mas não
talvez para o que está vivo." (Friedrich Nietzsche,
CONSIDERAÇÕES INTEMPESTIVAS)
Sobrevem, então, a "doença
histórica". É o resultado da sobreposição
do sentido histórico em relação à
vida (em relação ao não-histórico,
vida = não-histórico): "há um
grau de insónia, de ruminação, de
sentido histórico que prejudica o ser vivo e que
acaba por destrui-lo, quer se trate de um homem, de uma
nação ou de uma civilização."
(IBIDEM)
O conhecimento histórico
é, pois, contraditório. Contraditório
tanto com a história em acto ou a realizar, quanto
com a acção passada. A vida humana é
histórica, mas a sua força histórica,
a sua capacidade de acção e perpetuação,
vem de algo que não é histórico
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