António Bento
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MONEY SHOW - O "PÚBLICO"
E O "PRODUTO"
Numa entrevista que foi
capa da Revista do último número do jornal
Expresso, o dr. Balsemão confessou a dois empregados
seus e a mais quem o quis ler que o seu grupo empresarial
(Impresa) estava "metido naquela sigla TMT (Tecnologias,
Media e Telecomunicações) que, por vezes,
é fatal para as empresas de "media"".
Ficámos, pois, por aqui a saber, que os modernos
negócios em que o dr. Balsemão anda metido
implicam não apenas o seu natural grau de risco,
como, além disso, exigem uma certa destreza cabalística
a todo o empresário que se atreva a tratar por
tu o reino esfíngico da "sigla TMT"...
de maneira que, é certo e sabido, só com
"marketing", o mais provável é
que "o produto" não vá lá,
que não se aguente sequer, que, em suma, "acabe
por cair", o que pressupõe que, numa estratégia
que se quer de sucesso, se deva sempre dar a última
palavra ao soberano veredicto do "público"
que compra "o produto". Porém, tendo
em conta que não é o "público"
que define a "audiência", mas que a "audiência"
que compra "o produto" é que faz o "público",
é claro, ainda assim, que o "público"
não é igual em toda a parte. Não
senhor. O investimento publicitário no "produto",
tem, pois, as suas variações. Segundo o
dr. Balsemão, em França, por exemplo, um
país que em matéria de civilização
de costumes pede meças a qualquer um, "uma
parte do público" (minoritária, é
bom de ver, como o prova a "audiência"),
confrontada com uma "coisa parecida com o "Big
Brother", chamada "Loft Story", foi despejar
caixotes do lixo à porta da estação".
"Portanto", conclui o dr. Balsemão, "o
público, quando quer, toma atitudes".
Sirva isto
para se perceber que, como o dr. Balsemão não
quis comprar "o produto" ("Big Brother")
que alguém lhe quis vender a ele, e como "o
público", no legítimo exercício
de um poder que quase sempre se engana e que frequentemente
tem dúvidas, como esse mesmo "público"
a quem o dr. Balsemão não quis vender "o
produto" que alguém lhe quis vender a ele,
resolveu finalmente comprar aquele "produto",
mas não ao dr. Balsemão, quem ficou a perder,
foi ele, o dr. Balsemão, e não o público.
Posto isto, é natural que o dr. Balsemão
não queira voltar a ser apanhado desprevenido pelo
"público": "o público é
muito mais inteligente do que se pensa", "nomeadamente
do que o que pensam muitos políticos e alguns jornalistas",
garante o dr. Balsemão. Que se faça, portanto,
a vontade ao "público". Venda-se-lhe,
pois, "o produto".
Pela boca
do dr. Balsemão, ficámos também a
saber que o espectador que compra "o produto"
sente um enorme apetite por ver "anónimos"
e "desconhecidos", com os quais ao que parece
se identifica, na televisão, e que, contra esse
apetite, nada há a fazer, ou que, pelo menos, não
será prudente lutar contra ele, uma vez que o apetite,
por definição, existe para ser satisfeito
e, por maioria de razão, o apetite do "público"
... No fundo, no fundo, para o dr. Balsemão, o
espectador que compra "o produto" sente que
"desempenha um papel importante na programação
da televisão". Verdadeiro exemplo de interactividade
este, em que a mercadoria é a conversão
do espectador em programador e do programador em espectador
num sistema de dívida infinita e de cobrança
garantida: money show. Pagar é um dever,
mas emprestar é uma faculdade: "Claro que
um homem pode exigir o que lhe é devido" diz-se,
a dado momento, na canção da dívida
infinita de Lewis Carrol, "mas quando se trata de
empréstimo, claro que ele pode escolher o tempo
que melhor lhe convém". Não haja, portanto,
dúvidas de que, como pessoas telespectadoras em
geral, estamos todos, enquanto "público",
ligados ao "produto". Para o bem e para o mal.
Não por acaso, o próprio dr. Balsemão,
que em tempos foi também um jornalista (ontem,
como hoje, "os jornalistas não falam do que
se está a fazer"), não pode, infelizmente,
ver tanta televisão "quanto desejaria".
No entanto, de acordo com o que a sua experiência
de telespectador lhe sugere ("claro que, sempre que
posso, faço uma marcação cerrada
à SIC e aos concorrentes directos. Perceber a contra-programação
dos outros é tão ou mais importante do que
acompanhar a nossa própria programação"),
o dr. Balsemão garante-nos que do ponto de vista
das tendências, esta "vontade de protagonismo"
do espectador remontaria, pelo menos na SIC, a "O
Ponto de Encontro" de Henrique Mendes, o que, no
nosso País, bem vistas as coisas, não deixa
de ser, da parte do dr. Balsemão, um sóbrio
elogio ao instinto revolucionário e à capacidade
de iniciativa dos reformados, dos retornados, dos emigrantes,
e de toda a espécie de desgraçados. Aliás,
apesar de o dr. Balsemão o não o dizer abertamente,
sabe-se que uma significativa horda de trolhas ucranianos,
moldavos, russos, cabo-verdianos, etc., é hoje,
mais do que uma aposta, uma realidade que confirma o princípio
de "fidelização" do "público"
ao "produto".
Ainda segundo
a opinião do dr. Balsemão, a produção
e a distribuição de "conteúdos"
devem manter-se separadas. E, embora o dr. Balsemão
procure não se meter na distribuição,
a verdade é que "só se mete o mínimo
indispensável para assegurar determinadas vantagens
ou obter determinadas garantias". Foi, aliás,
esse "mínimo indispensável", o
que o levou, a ele e ao seu grupo, a associar-se ao eng.º
Belmiro e ao seu grupo (Sonae), quando, em conjunto, e
na jura em recato das respectivas proles, fundaram a empresa
Portais Verticais. De resto, a liberal tese do dr. Balsemão
é a de que "os conteúdos não
se dominam", os "conteúdos" vendem-se.
Não faz, por isso, sentido "que uma pessoa,
pelo preço de uma chamada local, tenha acesso a
todos os meios de comunicação possíveis."
No plano meramente
pessoal e apenas porque o "produto" pelo qual
a "audiência" anseia assim o exige, ficámos
por último a saber que houve uma altura da sua
vida em que o dr. Balsemão só tinha três
fatos e um blazer; que o único automóvel
que possui e ao qual pode com propriedade chamar seu é
"um Porsche velhíssimo"; que é
um "velho rico" e que a notícia de que
é forreta é um tudo nada exagerada, como
o provam o seu gosto pela viagem e os passeios que faz
com a família; que, na sua qualidade de professor
associado da Universidade Nova de Lisboa, gosta muito
de dar aulas e que chega sempre a horas; que, o partido
social-democrata, "no tempo de Cavaco Silva, à
boa maneira da Enciclopédia Soviética, entendeu
que ele (o dr. Balsemão) não tinha existido";
que, tanto o professor Marcelo Rebelo de Sousa como o
professor Freitas do Amaral, lhe mentiram e o traíram;
que, infelizmente, em matéria de fé, "não
há nada a fazer", como um dia, em privado,
lho disse o padre Manuel Antunes, embora se sinta "próximo
da Igreja Católica"; que o seu EGA (índice
de prestação no jogo do golfe) é
agora de 18,6; que, no seu escritório, e "com
o som bem alto", acompanha, com a sua bateria, a
MTV; que, "last but not the least", a
comparação da sua pessoa com a pessoa do
senhor Silvio Berlusconi, "é um grande elogio
... ao senhor Berlusconi". Por outras palavras: "Tomara
o senhor Berlusconi ser um medium tão transparente
como o dr. Balsemão".
Há, pois, "produtos"
e "produtos".
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