Gregos


Edmundo Cordeiro

Os gregos antigos tinham duas palavras para designar duas noções distintas de tempo: AION para o tempo próprio de cada coisa e CRONOS para o tempo enquanto duração indiferente, enquanto espaço de tempo qualquer indiferente a cada coisa.

Na mitologia grega, CRONOS é a personificação do deus KRÓNOS, filho de URANO. URANO é o céu. KRÓNOS mutilou o seu pai, ocupou o lugar deste e casou com a sua irmã, REIA. Como lhe disseram que um dos seus filhos o haveria de destronar e matar, ele devora todos os seus filhos à nascença. (Sim, claro, tal como o tempo devora todos os instantes.) Sua mulher, não contente com isto, ajudada por GEIA (sim, a Terra) e URANO (sim, o Céu), esconde-lhe o último filho, ZEUS, e dá-lhe a comer um pedra embrulhada num pano, que ele devora sem dar por nada. Já crescido, ZEUS deu-lhe a beber uma droga que o fez devolver todos os filhos devorados, que se aliaram a ZEUS numa guerra contra KRÓNOS. (Sim, claro, essa droga é a memória, que faz devolver todos os instantes passados.)

Ora, Foucault dizia que o que lhe interessava saber era como, de que forma é que ainda somos gregos. E nós? Bom, perguntemos se ainda o podemos ser. Ainda o podemos ser?

"Conhece-te a ti mesmo" era a máxima do deus délfico. Trata-se de uma regra sem regra. "É um preceito difícil - diz Nietzsche -, porque este deus 'não esconde nada, não anuncia nada, mas contenta-se em sugerir', como disse Heraclito." Foi partindo desta máxima que os gregos - sim, "os gregos" - não se limitaram a ser uma consequência esclarecida do passado e, em vez disso, inauguraram: "os gregos foram aprendendo a organizar o caos, entrando em si próprios, de acordo com a doutrina délfica, isto é, reflectindo nas suas verdadeiras necessidades e deixando morrer as suas necessidades factícias. Foi assim que tomaram nas mãos o seu destino e deixaram de ser os herdeiros e os epígonos instruídos do Oriente. Depois de uma penosa luta interior, dando a esta máxima uma interpretação prática, tiveram a felicidade insigne de enriquecer e alargar o tesouro herdado dos seus antepassados, transformaram-se no modelo e nas primícias de todos os povos civilizados do futuro." (Nietzsche, CONSIDERAÇÕES INTEMPESTIVAS.)

Bom, e fora de brincadeiras, este preceito, bem aplicadinho, resolveria - por exemplo - toda a falsa questão das "avaliações" de "conhecimentos" e seguramente contribuiria para o "sucesso"… "escolar".