José Manuel Santos
Curso de Filosofia inédito
no País
Por Rita Lopes
NC/Urbi et Orbi
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Filosofia
é a nova Licenciatura do Departamento de Comunicação
e Artes da UBI que vai começar a leccionar em Outubro
próximo. Na base da criação deste
curso está a formação de "filósofos
do futuro" e a aposta na especialização
em áreas não exploradas. Explorar áreas
como a Ética, a Bio-ética e a Política
são pontos fortes da sua estrutura curricular,
inédita no País.
NC/Urbi et Orbi- Como surgiu a ideia de lançar
um curso de Filosofia na UBI?
José Manuel Santos - A ideia surgiu no contexto
da expansão da Unidade de Letras. Uma Faculdade
de Letras tem que ter alguns cursos e algumas faculdades
básicas, faz parte do cânon da Universidade,
e essas são as Letras e as Ciências. As engenharias
nasceram mais tarde.
Assim, a ideia de Universidade tem na sua base as Ciências,
as Letras, a Medicina e o Direito. Foram as primeiras
faculdades que a constituíram, desde a Idade Média.
Nós não temos Direito, vamos ter Medicina,
já temos Ciências e havia o limite da Faculdade
de Letras com o curso de Português. A Filosofia
é um curso básico que desempenha o mesmo
papel da Matemática na Faculdade de Ciências.
É o curso de base que nos faltava.
NC/U@O - Mas há mais alguma
razão?
JMS - Há razões suplementares para fazer
um curso de Filosofia. As universidades mais recentes
e mais periféricas ainda não o têm,
de modo que achámos que estava um pouco na situação
da Medicina, só havia cursos no Litoral e nenhum
no Interior nem no Algarve. Por outro lado, pensamos que
é um curso estruturante para toda a Universidade
e que contribui para a sua unidade, na medida em que tem
relações com todos os cursos. Por exemplo,
na Física há a cadeira "Filosofia da
Ciência", na Comunicação de Ética,
no Design de Estética.
NC/U@O - Para avançar em
Outubro, o corpo docente já deve estar assegurado.
Em que fase está o processo?
JMS - Felizmente, já temos docentes para começar
o primeiro ano. Há três professores doutorados
em Filosofia na UBI, eu e os professores António
Fidalgo e Rui Bertrand. E temos mais três ou quatro
mestres, assistentes, também licenciados. Por isso,
podemos avançar à vontade o primeiro ano
com os docentes que cá temos.
NC/U@O - Qual vai ser o plano de
estudos do novo curso?
JMS - Tem as cadeiras de base que se exigem e que
existem em todos os outros cursos: a História da
Filosofia antiga, medieval, moderna e contemporânea,
como coluna vertebral do curso. Depois vêm as cadeiras
base da Filosofia da Ciência e do Conhecimento e
as cadeiras da filosofia prática: Ética
e Política.
NC/U@O - Portanto, vai ser um curso
igual aos que já existem?
JMS - Não, este curso tem certas especificidades
que o vai distinguir de outras universidades e é
isso que vai ser a novidade da licenciatura. Um dos pontos
fortes vai ser a atenção dada à Ética
e a ligação com a Bio-ética.
NC/U@O - Mas essa não é
uma área da saúde?
JMS - Sim, mas aí é que está
a novidade. O curso vai estar em constante ligação
com outras áreas e, sobretudo, com a Medicina.
É a primeira licenciatura com essa faceta. Apenas
há um mestrado em Filosofia que tem uma cadeira
de Bio-ética, em Portugal. Isto vai ser a filosofia
prática, especial, onde a Ética e Bio-ética
serão o forte.
NC/U@O - A que outras áreas
vai estar ligada a Filosofia?
JMS - O curso de Comunicação vai ser
outra relação forte, para abordar os seus
problemas nas sociedades modernas. A estética,
a imagem, a sociedade de massas, a teoria da comunicação.
Vão existir muitas cadeiras em comum nos dois cursos
e é isto que lhe dá uma certa originalidade.
NC/U@O - Pretende-se, então,
que a vida real esteja implícita no curso?
JMS - Os cursos de filosofia clássicos estão
um pouco isolados da realidade. Este vai-se abrir à
vida contemporânea, à comunicação
e à biologia. Por isso, isto é um desafio
não só para os médicos e biólogos,
como também para os filósofos interessados
nessas áreas.
NC/U@O - Isso significa que vai
ser uma licenciatura interdisciplinar?
JMS - Sim, vai ser um curso muito interdisciplinar.
Os alunos vão poder, sobretudo a partir do segundo
ano, escolher cadeiras opcionais de outros cursos. Por
exemplo, um aluno que se interesse por ciência pode
fazer cadeiras na Física e depois reflectir filosoficamente
sobre elas. O mesmo acontece na comunicação,
design, e outras. Também vamos ter docentes de
outros departamentos a darem aulas ao filósofos.
A cadeira "Filosofia da Ciência", por
exemplo, vai ser dada por um astrofísico, que dá
essa cadeira na Física.
NC/U@O - Ou seja, vai ser um curso
pouco teórico ao contrário do que se pensa.
JMS - Claro. A Filosofia é uma reflexão
sobre as diversas formas de vida, aquilo que faz o artista,
o cientista. Se, por um lado, têm que produzir um
aparelho muito abstracto de conceitos, por outro, têm
que ter muita atenção àquilo q se
passa à sua volta. Na cadeira de Bio-ética,
por exemplo, os alunos têm que tomar consciência
de problemas que se põem na medicina, nas manipulações
genéticas e para isso têm que observar. Aí
está o aspecto prático, têm que pensar
o que se deve e pode fazer em colaboração
com os médicos e biólogos.
A Filosofia é uma área muito interdisciplinar
e há vocações muito diferentes. Há
filósofos que se dedicam à arte, à
ciência, à ética. Consoante a sua
vocação, o aluno pode jogar com as disciplinas
opcionais e dedicar-se mais a essa área. A vantagem
da Universidade é que permite ter esse leque de
opções e esta tem departamentos e investigação
suficiente para os alunos poderem trabalhar.
Saídas alternativas são
o futuro
NC/U@O - Quais as saídas
profissionais do curso?
JMS - Há várias saídas, as clássicas
(ensino e investigação) e as modernas. É
obvio que nem todos podem ir para as clássicas,
até porque o ensino não está fácil,
mas felizmente, não há uma proliferação
excessiva de cursos, ao contrário do que acontece
com outras áreas. Mas, houve grandes filósofos
na história que não foram professores. A
nossa ambição na criação deste
curso é tirar a filosofia do gueto do ensino. Filosofia
é um curso em que as pessoas adquirem muitas capacidades
que podem ser exercidas em muitas áreas. É
um curso que dá capacidades de pensamento abstracto
e de interpretação que pode ser útil
em áreas como a política. Em Portugal há
muitos políticos brilhantes e dirigentes de empresas
que são licenciados em Filosofia.
NC/U@O -É, portanto, um curso
multifacetado?
JMS - É um curso que dá capacidades
para a pessoa ir em várias direcções
e assumir capacidade para funções com relações
humanas, gestão de pessoal, política, edição.
Talvez falte, apenas, uma espécie de ponte entre
o curso e a profissão. A nossa ideia é oferecer
aos alunos essa ponte. Quando os finalistas terminarem,
fazem uma pós-graduação que os prepare
para cada vocação.
NC/U@O - Já há pouco
referiu a vocação. Acha que é a porta
de entrada neste curso?
JMS - A Filosofia requer muita dedicação
e vocação. O aluno tem que se dedicar, concertrar-se
no curso e depois adquirir uma formação
mais profissionalizante, sobretudo os que não querem
ir para o ensino. É um curso que se gosta ou não
se gosta, é preciso ter uma paixão e os
que vão, arriscam pela vocação e
depois enveredam por outros caminhos.
NC/U@O - A ligação
com a Medicina e outras áreas pode levar os alunos
a dedicarem-se a essas saídas alternativas?
JMS - Acho que sim e deve ser uma saída para
o filósofo do futuro. Essa é também
uma das nossas ideias. Há cada vez mais instituições
hospitalares na América, Bélgica, e outros,
em que, quando surgem situações delicadas
de vida ou morte, existe uma comissão de ética
constituída por médicos, biólogos,
sacerdotes e filósofos. Talvez isso não
dê emprego a milhares de pessoas, mas é uma
profissão que, a meu ver, vai ter futuro. As questões
de manipulação na vida são cada vez
mais complexas e o filósofo em colaboração
com o médico e biólogo é a pessoa
indicada para reflectir sobre essas questões.
NC/U@O - São essas áreas
que vão fazer da Filosofia da UBI um curso inédito?
JMS - Os outros cursos talvez abordem estes problemas
no âmbito das cadeiras, na medida em que é
um problema actual. Mas, ter cadeiras específicas
disso, vamos ser os pioneiros, nomeadamente na Bio-ética,
cujos alunos vão colaborar com os alunos de medicina,
que também devem ter cadeiras dessa natureza.
Curso registado no Ministério
NC/U@O - Já têm todas
as garantias do Ministério da Educação
de que o curso vai mesmo arrancar este ano lectivo?
JMS - O curso encontra-se registado no Ministério
da Educação nacional e penso que isto é
a garantia. A partir do momento que o Ministério
aceitou o dossier e registou o curso, estão dadas
as garantias.
NC/U@O - Quantas vagas vão
abrir no primeiro ano?
JMS - Ainda não se sabe, mas provavelmente
à volta de 30. Contudo, é o Ministério
que decide e tem a última palavra.
NC/U@O - Em que departamento vai
ficar integrado?
JMS - No de Comunicação e Artes, mas
é provável que, mais tarde, venha a existir
um departamento de filosofia, quando houver um corpo docente
mais completo e quando o curso funcionar à mais
anos.
NC/U@O - Há mais cursos ligados
à Filosofia que venham a integrar o novo departamento?
JMS - Sim, há cursos que estão muito
próximos da Filosofia e que, na minha opinião,
seriam interessantes para esta Universidade, como o de
Ciências Políticas. O pensamento e a filosofia
políticos são duas áreas que também
vão ficar bem marcadas neste curso, mas apenas
como cadeiras.
NC/U@O - Como director e docente
desta licenciatura inédita, o que vai transmitir
aos alunos?
JMS - Vou-lhes tentar dizer que um filósofo
é sempre um provocador. É sempre uma pessoa
que coloca questões incómodas. O pai fundador
da filosofia, Sócrates, provocava toda a gente,
ia pelas ruas de Atenas e punha questões muito
desagradáveis. Se as pessoas fazem sempre as mesmas
coisas, a mesma rotina e nunca pensam no que estão
a fazer neste mundo, acho que a vida não vale a
pena ser vivida. De modo que, é preciso provocar
sempre e quebrar a rotina. É esta a mensagem socrática
que vou transmitir.
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