TV-PEOPLE


Edmundo Cordeiro

Os últimos acontecimentos televisivos foram vistos por milhões de portugueses com fascínio e repúdio. (Não sabemos em que proporções, nem de que forma misturada.) Tratou-se, aparentemente, de algo novo no tipo de violência habitualmente infligida àqueles que o medium devora, retirando-lhes agora, pelo menos a uma parte, qualquer miragem de lucro narcísico. Isto só vem demonstrar que a televisão (a "técnica") é incontrolável. Ela nem é controlável, nem é auto-controlável, dado que a sua essência é o controlo. Não há nenhuma explicação clássica, política ou económica, para o que se passa. Tudo isto foi há muito "anunciado" e tudo isto é banal planetariamente. A única explicação é o próprio controlo, evidentemente, a começar pela sua versão, limitada, de "controlo de audiências".

"Audiência" é o modo como os homens se determinam no espaço televisivo do controlo. Chamemos TV-PEOPLE não só aos que são devorados "dentro" da televisão, mas a todos os que a "vêem", a todos os que "participam". Todos são requisitados, devorados e digeridos, e finalmente determinados como TV-PEOPLE. Devorados, energia do processo - e não "alienados". (Não se pode colocar um Berlusconi no topo da hierarquia. No espaço do controlo, ele desempenha somente o seu papel, fala a linguagem, não a controla.)

Também as palavras são devoradas. Nenhuma das palavras de repúdio consegue dizer - controlar - o que se passou. Todos os balbucios da "lei", da "decência", do "pudor", da "dignidade", passando pelos aparentemente mais "racionais", como os da "auto-regulação", ficam aquém do que se passa. No espaço do controlo televisivo, lei, decência, pudor, dignidade, auto-regulação, volvem-se em TV-WORDS.

De resto, imaginar uma televisão da "lei", da "decência", da "dignidade", etc., significa imaginar uma televisão "melhor". Ora, nem isso é "melhor", nem é disso que se trata. "Seja como for - diz Bragança de Miranda -, não se deve confundir o dispositivo com as suas formas concretas." Quer dizer, não é a televisão que é a essência do controlo - como admitem, sem o pensar, os que a querem legislar e moralizar -, mas sim o contrário.