Eduardo Segre

Professor Associado convidado do Departamento
de Física da UBI

A alternativa cultural


1) Estas reflexões foram suscitadas pelo projectado Fórum Universitário, no decorrer do qual deveriam ter sido abordados os temas costumeiros: insucesso escolar, serviços sociais, etc. O fórum afinal não teve lugar, em circunstâncias que convém abster-se de comentar.
Ocorriam-me várias dúvidas. A praga do corporativismo das instituições iria ser contemplada? Aceitariam os alunos a tese de que insucesso não é sinónimo de "não tirar dez no fim do semestre", mas sim de "não ter no fim do curso todas as competências mínimas desejáveis para exercer a profissão"?
Creio que foi Sartre quem inventou o conceito de ideias -fetiche, inspirado das práticas dos "primitivos" (o conceito teve muito sucesso, particularmente entre os fetichistas ideológicos, que gostavam de aplicá-lo aos seus adversários). Parece-me que, no capítulo do insucesso escolar, estamos diante de um exemplo desses fetiches, sob a forma da pedagogia miraculosa. É a fórmula mágica, no vocabulário oficial da Associação Académica, para acabar com o "insucesso" escolar.
Ora, como todas as pessoas de bom senso sabem, a aquisição de conhecimentos exige esforço. Esses conteúdos, penosamente elaborados pelas gerações passadas, vem-nos prontos, acabados, servidos nos livros e manuais, e na Internet. Mas ainda assim exigem esforço para serem assimilados - essa palavra é expressiva do sentido de apropriar-se, fazer seu - o que sempre implica num processo penoso, cuja dificuldade é porém proporcional à alegria da aquisição final, quando se concretiza. Crer no contrário é sucumbir à "síndrome do país da cocanha", aquele onde os presuntos crescem nas árvores e o vinho brota das fontes.
Tampouco pode dizer-se que a atmosfera da Academia seja a mais apropriada ao esforço intelectual. Gostaria de ver na Universidade uma cidadela do Intelecto, um lugar infenso à vulgaridade, à dispersão. Um simples olhar à programação da assim chamada Semana Académica, é porém suficiente para desenganar o mais ingénuo observador.
É verdade porém que tudo nas sociedades modernas conspira para a síndrome acima diagnosticada: os políticos com a sua fala mansa, os maîtres à penser com as suas filosofias perfumadas a hedonismo, os ideólogos do liberalismo com a sua fé imoderada na deusa Tecnologia. O que evidencia quanto é difícil separar a Universidade do ambiente no qual ela está imersa.
Aqueles porém, entre os estudantes, que pensam de outra forma, e aspiram a uma alternativa culta, certamente encontrarão entre os docentes quem vá ao seu encontro, sem necessidade de renovar-se, no âmbito da Universidade, a estéril "luta de classes", de triste memória.

2) Dentro dessa ordem de ideias, é auspiciosa a inauguração dentre nós de uma licenciatura em Filosofia. Aí está uma que não vai no sentido de "politecnizar" a Universidade, e cujos alunos só podem ter uma perspectiva propriamente cultural. A Física, que já era uma "Matemática experimental" e tornou-se um campo de "experimentação em Filosofia", terá muito que dialogar com a nova licenciatura: questões como a crítica da Causalidade, como a da existência de uma Realidade independente dos sentidos e da experimentação, do Positivismo e do Kantismo do ponto de vista da Física, da validade dos raciocínios "contrafactuais" e outras além podem ser abordadas. Benvinda pois a nova licenciatura.