José Geraldes
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Três pulseiras e o perdão
O escritor A. Botto, num
dos seus contos, narra a história das três
pulseiras do rei Salomão. Este rei quis um dia
oferecer três pulseiras a súbditos mais notáveis
do reino.
Os candidatos às pulseiras expuseram, cada um por
sua vez, os méritos que julgavam possuir. Após
os ter ouvido atentamente, Salomão deu a pulseira
em bronze a um homem que se considerava como justo. A
um idoso que sempre perdoou, atribuiu a pulseira em prata.
A pulseira em oiro entregou-a a um jovem que não
somente perdoara a quem o tinha prejudicado na vida mas
ainda o havia presenteado com gestos de amor e bondade.
Conclusão do rei: acima da justiça está
a indulgência e, acima da indulgência, a bondade
e o amor. Ou seja o perdão, sem qualquer sombra
de ressentimento.
Esta história é uma lição
para os tempos actuais em que o ódio impera muitas
vezes, entre indivíduos e nações,
entre famílias e entre vizinhos.
O Papa João Paulo II tem sido um exemplo extraordinário
do perdão e da bondade. Durante o Jubileu 2000,
pediu perdão por todas as faltas da Igreja no passado,
num acto de humildade impressionante. Agora, na Grécia,
perante o arcebispo Christodoulos, chefe da Igreja Ortodoxa
grega, repetiu o mesmo gesto, "pelos católicos
que pecaram contra os ortodoxos". O acto relacionava-se
com o massacre, em 1204, em Constantinopla, durante a
Quarta Cruzada.
Em Damasco, capital da Síria, no passado domingo,
dia 6, João Paulo II volta a apelar ao "perdão
recíproco" entre cristãos e muçulmanos.
Horas antes, o apelo era dirigido à paz entre "muçulmanos,
Cristãos e Judeus".
Perdão, paz, tolerância foram as palavras
que marcaram a visita a Atenas e a Damasco. Em Sarajevo,
na Bósnia, em 1997, o Papa havia dito que "a
lógica do perdão deve substituir a da violência".
Sem perdão, a sociedade degenera. As relações
sociais mesmo entre os mais próximos transformam-se
num inferno. E os valores da cidadania tão badalados,
hoje, sofrem um grande revés.
O gesto de perdoar cria dinamismos que geram a paz, "poderosa
e querida", na expressão de Aristófanes.
A insistência de João Paulo II nesta cultura
do perdão tem por objectivo a realização
plena da pessoa humana.
Por isso, paz, na definição do Papa, é
a "soma de mais verdade, mais justiça, mais
liberdade e mais amor". Esta paz só se alcança
mediante o perdão. Esquecer as feridas do passado,
abre caminhos novos ao desenvolvimento solidário
dos povos. Como diz Paul Ricoeur, "só o perdão
cura a memória e lhe oferece o futuro".
A paz e a tolerância ganham terreno e estabelecem
laços de compreensão. Não que isto
signifique estarem todos de acordo sobre qualquer assunto.
A diversidade de opiniões é uma lufada de
ar fresco na discussão e debate de ideias e na
tomada de decisões.
O perdão não cai do céu, sem mais
nem quê? Exige um esforço pessoal e uma mudança
interior da mentalidade. É uma construção,
dia a dia, através dos gestos mais simples e insignificantes.
Podem ser assinados grandes tratados de paz. Se não
houver vontade interior de mudar o estado das coisas,
os tratados, como tem acontecido na História, não
passam de meras formalidades escritas no papel.
Para merecer a pulseira de oiro do rei Salomão
de que fala o conto de A. Botto, o perdão inclui
não só a reconciliação mas
também a ajuda ao outro. Ser solidário na
tristeza e na alegria com o irmão. E desenvolver
uma espiral de amor e bondade.
Quantos estão dispostos a iniciar tal caminho?
Não haja ilusões: a paz só nasce
do perdão. E não há outra volta a
dar ao texto.
Daí que a atitude de quem deseja a paz, seja aquela
que um humorista desenhou num "cartoon".
Um anjo pergunta a Deus: "Tu, que nunca dormes, que
existes desde toda a eternidade, não te aborreces?
Que fazes em todo este tempo? Deus, com ar de bondade,
responde: "Eu perdôo".
A solução está aí.
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