Nuno Miguel Augusto
Docente do Departamento
de Sociologia
da UBI
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Poderes e Locais
Os chamados níveis
locais de poder encerram um conjunto importante de particularidades
que o tornam distinto de níveis mais macro da organização
política. Talvez por isso a análise do poder
local e dos seus modos de organização e
ligação com a sociedade civil é,
ainda hoje, um pau de muitos bicos. O que poderia ser
réplica fiel das cidades-estado transformou-se
numa complexa rede, quer de representação
política, quer de ligação entre as
elites políticas e as massas.
O poder local em Portugal tem-se caracterizado bastante
pela importante presença dos chamados poderes difusos.
Trata-se, fundamentalmente, de poderes dispersos pelos
principais meios de organização e de associação
da sociedade local, como as associações
do mais diverso tipo e onde se destacam as mais próximas
das dinâmicas societais - associações
de bairro, colectividades, etc. A maioria dos autarcas
exerceu inclusivamente cargos de direcção
em associações ou colectividades locais.
Num estudo em que participei em 1995 sobre o poder local
covilhanense (noutro contexto partidário), concluiu-se
que 85 por cento dos autarcas eleitos para a Câmara,
Juntas de Freguesia e Assembleia Municipal entrevistados
estavam a desempenhar cargos de direcção
em associações locais ou já os tinham
desempenhado.
Os poderes difusos têm uma tripla função
- formadora, catapultadora e legitimadora. A aprendizagem
de direcção e burocrática adquirida
nas associações locais facilita a formação
do futuro autarca para lides mais vastas. Mas não
se trata apenas de um processo de aprendizagem tecnico-burocrática.
A participação em colectividades e associações,
ou mesmo a sua defesa prioritária, tem uma importante
função legitimadora. Na generalidade dos
casos as associações são um património
colectivo muito valorizado pelas populações,
quer porque na maioria dos casos é resultado da
sua intervenção, quer pelo papel que desempenham
junto das comunidades. Trata-se, portanto, de instituições
extremamente importantes do ponto de vista simbólico
e fortemente mobilizadoras do ponto de vista político
e mesmo eleitoral.
Se a tudo isto somarmos a importância das colectividades
enquanto espaços privilegiados de discussão
política e de formação de identidades
colectivas, a vantagem política é significativamente
maior. Sobretudo em cidades em que escasseiem espaços
alternativos de lazer, as colectividades continuam a funcionar
como pontos de encontro e de avaliação colectiva
do "feito" e do "por fazer".
A gestão do poder local acaba, assim, por funcionar
politicamente como uma gestão dos poderes locais,
sobretudo daqueles que ocupam uma posição
privilegiada na estrutura social local, dada a sua importância
para as comunidades. A criação de laços
entre a autarquia e os poderes difusos é mutuamente
favorável. A reciprocidade é simples - quer
as associações e colectividades, quer os
autarcas vêem mais facilmente alcançados
os seus objectivos se concertarem numa base de lealdade
e de unanimidade. Pisar o risco nesta complexa relação
significa muito mais que um simples corte de relações
institucionais, significa a perda de vantagens políticas
e de legitimação popular do autarca e a
perda de suporte institucional por parte da colectividade
ou associação e sua exclusão das
redes de poderes locais.
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