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Morcelas e dizer bem
A Covilhã tem uma
biblioteca nova, bonita, muito aprazível e, pasme-se
- isto é o mais importante - com livros lá
dentro! Tem um hospital rigorosamente novo, com instalações
e equipamentos belíssimos, que será um dos
pólos onde os futuros alunos da licenciatura em
Medicina da UBI farão parte da sua aprendizagem.
Tem uma universidade que continua a crescer, em termos
físicos e em número de cursos, e cuja qualidade,
e esforços em prol dessa qualidade, tem vindo a
ser reconhecida por um número diversificado de
instâncias. Tem várias salas de cinema. Algumas
razoáveis livrarias, onde o que não há
se encomenda, e que, para todos os efeitos, são
quase uma FNAC - onde o que não há, e é
muito, dificilmente se encomenda. Demagogia ou não,
é uma cidade onde os idosos e reformados têm
tratamento diferenciado, descontos aqui e ali, e passeios
organizados pela autarquia. Coisas mesmo muito simples,
como pegar num autocarro e levar sexagenários a
Fátima, alguns que nunca saíram da sua terra,
nem nunca tinham cruzado a fronteira do distrito. Em Portugal
o mercado da solidariedade movimenta milhões, mas
raramente se vêem coisas assim simples, é
mais o próprio movimento. Gosto, dá-me verdadeiro
prazer, saber que uma parte dos meus impostos pode ser
gasta assim, no luxo de um passeio, de uma coisa supérflua,
para quem teve tão poucos. E a Covilhã tem,
no centro, um gigantesco buraco. Uma obra em curso que,
para o bem ou para o mal, vai mudar para sempre o centro
cívico da cidade. E, há que dizê-lo,
acredito que para o bem. As críticas que até
agora ouvi ao projecto - que seria melhor reservar o centro
ao trânsito pedonal promovendo o atravessamento
através de túneis - parecem-me, em boa verdade,
perfeitamente ridículas. A população
da cidade não são, e cada vez o serão
menos no futuro, as nossas mães que adoram andar
a pé e têm tempo e músculos em lugares
insuspeitos. Numa cidade com a ingrata morfologia da Covilhã,
se os que a vão habitar não puderem ir ao
centro de carro, pura e simplesmente não irão,
deslocando-se para os centros comerciais das periferias,
onde abunda o estacionamento. Em suma, na Covilhã
estão a acontecer coisas. Nem tudo bom? Certamente.
Há mesmo coisas, caturrices, que seriam perfeitamente
dispensáveis. Mas disso, do bruáaa que alimenta
diariamente as notícias locais, não vai
rezar a história. Só das coisas que ficam.
E do que se faz. E há políticos que se especializaram
em explicar o que e por que não fizeram. E queixam-se.
De tudo. Dos adversários. Das adversidades. Da
meteorologia. Do Governo. E neste interim, não
mexem uma palha. Nem tanto ao mar, senhores, nem tanto
à terra. O autarca socialista de Idanha, em plena
cavaquistolândia, obteve sempre, sempre, tudo aquilo
que sonhou para a sua terra. E o resultado continua, lá
em Idanha, à vista de todos. Pouco importa para
o futuro das cidades e das regiões a arte de dar
boas desculpas, de encontrar bodes expiatórios,
de fazer bonitas manchetes, e de usar metáforas
de fino recorte literário, tipo "não
se podem fazer morcelas sem tripa". É que
não interessam as desculpas, as causas, os atrasos,
os adiamentos, as responsabilidades, as incompetências,
o erro do porteiro, a má vontade do secretário
de Estado, tão pouco as culpas, essas solteironas
empedernidas. Interessam os resultados.
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