Percipi


Edmundo Cordeiro

Imagem como qualquer coisa que vai abolir as fronteiras entre ser e aparecer. Muito bem, perfeito…

Mas se quisermos explicar isto à nossa Tia, como é que fazemos? Temos mesmo de lhe explicar para que ela possa dar consistência à sua ideia segundo a qual, por um lado, pois muito bem, temos ali a coisa, que eu posso tocar, e temos, por outro lado, a imagem da coisa. A nossa Tia acha que são coisas distintas e que, no entanto, há relação entre elas - ela "ficaria bastante espantada" (referência às palavaras de Henri Bergson) se lhe dissessem que a imagem da coisa não tem nada a ver com a coisa… Se lhe dissessem que as coisas são um conjunto de ideias (imagens) que somente existem no espírito, ou que essas ideias (imagens) são o resultado das coisas, são produzidas pelas coisas, mantendo-se heterogéneas às imagens… Ufa!

Para Henri Bergson, tal como para a nossa Tia, nem as coisas existem apenas na representação, nem as representações, sendo fruto das coisas, se mantêm diferentes delas… Ele vai fundir (de uma certa maneira, até um certo ponto) coisas e representações nessa noção, material, de "imagem".

Isto quer dizer que a imagem é o percepcionado (o aparecer) do real (isto é, do ser) e que esse percepcionado é o próprio ser enquanto percepcionado. ESSE EST PERCIPI : "o ser é o ser percepcionado" - ou seja, (explica Renaud Barbaras, um comentador, embora a fórmula seja de Berkeley) isto é "exactamente o mesmo que afirmar que o ser percepcionado é o próprio Ser e não qualquer realidade ideal ou subjectiva. Dizer que o real não é outra coisa senão as qualidades percepcionadas, é precisamente reconhecer que essas qualidades são o próprio real. Bergson chama "imagem" essa plena identidade do ser e do aparecer, identidade que não se realiza unicamente em proveito do aparecer e, mais, do sujeito desse aparecer: a imagem está a meio caminho da coisa e da representação, ela é o ser real do percepcionado e o ser percepcionado do real. Ora, não há nada mais simples de compreender que estas imagens, se aceitarmos mantermo-nos ao nível do senso comum. Facilmente se concebe [Il va de soit] que o real não é diferente do que percepcionamos e que a ideia de uma realidade em si estranha à nossa percepção é difícil de admitir; mas também facilmente se concebe [idem] que este real que nós percepcionamos existe fora de nós e não em nós." (Renaud Barbaras, "La perception", Hatier, Paris, 1994, pp.56-57)