III Concurso de Instrumentos de Arco Júlio Cardona
Prestígio internacional
"esbarra" na indiferença do público

A Covilhã passou ao lado de um evento que, a nível nacional e internacional tem elevado prestígio. Durante seis dias, alunos das mais conceituadas escolas de música europeias competiram pelos primeiros lugares. Este ano o Concurso foi distinguido pela Ordem de Malta.

 Por Alexandre S. Silva
e Sérgio Felizardo
NC/Urbi et Orbi

 

O maestro Campos Costa, responsável pela organização do evento, lamenta a falta de público

"Onde é que está a Covilhã enquanto decorre um evento deste nível". As palavras são de Manuel Campos Costa. E o lamento do maestro, e presidente da Juventude Musical Portuguesa (JMP) na Covilhã, prende-se com a fraca adesão das gentes da cidade ao III Concurso de Instrumentos de Arco "Júlio Cardona". Com efeito, apesar de bastante publicitado pela imprensa regional, a verdade é que o pouco público que assistiu às provas era, na grande maioria, constituído por familiares ou amigos dos concorrentes. A cidade passou, assim, muito ao lado de um evento que, apesar de ter apenas três edições, é já um dos mais conceituados concursos a nível internacional.
"Este é um concurso importantíssimo", salienta o maestro Ivo Cruz, presidente do júri. "Está com um nível artístico enorme e nota-se que, de edição para edição, os concorrentes sobem espantosamente de qualidade". Para além disso, continua o músico, "é um evento com elevada divulgação nos meios musicais europeus, americanos e brasileiros, e é uma das organizações que, neste momento, mais honram o País". Na realidade, o Concurso Júlio Cardona beneficia também de um carácter quase único. É que, como sublinha Ivo Cruz, "Há vários concursos musicais em Portugal e na Europa, sobretudo de piano, mas dedicado aos instrumentos de arco, este será mesmo o único". Por isso, o maestro não compreende a indiferença a que os meios de comunicação nacionais votaram este projecto. "Interessam-se sempre mais por aquilo que se passa em Lisboa e no Porto e esquecem-se de divulgar e acompanhar os eventos do Interior, mesmo com a qualidade deste".

Maior participação de sempre

A terceira edição do Concurso, decorreu entre sexta-feira, 6, e quinta-feira 12, e contou com a maior participação de sempre. Quase 60 músicos com idades compreendidas entre os 11 e os 38 anos, mostraram aquilo que sabem e melhor fazem no Anfiteatro das Sessões Solenes da Universidade da Beira Interior. A novidade deste ano prende-se com a introdução do contrabaixo em detrimento da viola da edição anterior. Um instrumento a cair no esquecimento dos concursos deste género, mas que trouxe quatro portugueses e seis estrangeiros.
Aquém das expectativas, em relação à segunda edição, ficou a participação de concorrentes covilhanenses. Dos quatro inscritos, apenas três prestaram provas. Filipe Quaresma, vencedor na classe B de Violoncelo no primeiro concurso Júlio Cardona, acabou por não comparecer devido a compromissos ligados à sua carreira.
O Concurso, organizado pela Juventude Musical Portuguesa da Covilhã, teve um investimento de cerca de 20 mil contos. Verba financiada, sobretudo, pelo Instituto Português da Juventude (oito mil contos), Câmara da Covilhã (cinco mil) e pelo Ministério da Cultura através do Instituto Português das Artes e do Espectáculos (quatro mil). "Um sinal de que as entidades competentes reconhecem o valor deste evento", defende Campos Costa que revela ainda a existência de apoios de empresas estrangeiras. O panorama musical português mais erúdito, acredita o maestro covilhanense, está em desenvolvimento. Assim queiram, afirma, "os media e os poderes que podem determinar algo sobre esta questão. Os jornalistas podem fazer muito mas, aqueles que chegam a mais pessoas, interessam-se e conhecem muito de futebol e outras coisas. De música, contudo, não sabem nada. Mais. Ignoram-na". Uma situação, que acredita, não se deve à falta de talentos no País. "A prova está aqui. Temos muita gente a desenvolver-se e são estas pessoas que vão garantir o futuro musical de Portugal".

  

Estrangeiros motivam portugueses a evoluir


Portugueses de todo o País, espanhóis, franceses, italianos, alemães, austríacos, suecos, checos, eslovenos, russos e brasileiros. Todos na Covilhã, todos jovens, todos em competição e todos "obrigados" a interpretar obras de compositores portugueses.
À terceira edição, o Concurso de Instrumentos de Arco "Júlio Cardona" regista um número recorde de participantes estrangeiros (27). Provas vivas daquilo que de melhor se ensina lá fora e dignos representantes de algumas das melhores escolas europeias, como explica Campos Costa, presidente da delegação covilhanense da Juventude Musical Portuguesa (JMP), entidade organizadora: "Os concorrentes têm um nível fabuloso, mas que não é de espantar, pois vêm das escolas mais importantes da Europa, como é o caso da austríaca, da alemã, da inglesa e da russa, sem, claro, desprestigiar o excelente ensino que se faz, hoje, em Portugal".
O "Júlio Cardona" acaba, assim, por ser uma excelente oportunidade para um convívio e um intercâmbio entre músicos de diferentes culturas, modos de encarar a música e a sua vivência. Esta é, também, a opinião de Fernando Gomes. Violoncelista, 17 anos, é natural de Famalicão e acredita que o "prestigio que o Concurso está a alcançar, cá dentro, como lá fora, funciona como um incentivo para o aperfeiçoamento". "Para um instrumentista é muito motivante participar em eventos de grande qualidade. É evidente que significa, também, uma elevada pressão, mas isso é essencial à vida de alguém que quer ser músico", afirma. A análise do estado da música no estrangeiro é, assegura Gomes, outro dos benefícios da iniciativa: "Algumas actuações surpreenderam-me e demonstraram que quase todos os músicos estrangeiros estão acima da média". Uma constatação que, no entanto, sublinha o jovem violoncelista, serve de tónico para "trabalhar mais e melhor".
Exemplo claro da "superioridade" estrangeira são os três alemães que atingiram a final do concurso de contrabaixo. Detmar Kurig, 34 anos, professor na Escola de Música de Colónia e Aachben, Philipp Stubenvauch, 22 anos, membro da Orquestra Filarmónica Juvenil Alemã e Nabil Shehata, 20 anos, nascido no Koweit e aluno da Escola Superior de Música de Weinburgo, superaram os outros concorrentes econfirmam a importância de estar na Covilhã e participar num evento de carácter internacional. Os músicos estrearam a modalidade no "Júlio Cardona" e admitem voltar noutras edições: "O ambiente é excelente entre todos e a simpatia das pessoas é muito motivadora".


 

  

"Nomes grandes" avaliam concorrentes


A qualidade é uma das características em que a organização do III Concurso de Instrumentos de Arco "Júlio Cardona" mais aposta.
O júri é, por isso, todo ele constituído por "nomes grandes" do meio musical. Quatro elementos são portugueses (o presidente, Maestro Manuel Ivo Cruz, António Oliveira e Silva, Madalena Moreira de Sá e Costa e Luís Sá Pessoa), dois alemães (Christa Ruppert e Florian Pertzborn), dois norte-americanos (Jed Barahal e Michael Wolf) e uma polaca (Zofia Woycicka). Figuras de alto calibre, que motivam ainda mais os concorrentes. É o caso de um dos mais jovens participantes. Afonso Fesch tem 12 anos, participa na modalidade de violino - classe B e é considerado, por várias pessoas c, como uma das grandes esperanças do panorama nacional. Afonso, no entanto, não acreditava numa vitória na Covilhã. Um factor que não o desmotiva, até porque um dos seus objectivos ao concorrer prende-se com um desejo pessoal: "Uma das razões porque vim, diz respeito à vontade que tenho de ser aluno da professora Zofia Woycicka". A polaca é membro do júri e, actualmente, é primeiro concertino da Orquestra Nacional do Porto e professora na Escola Superior de Música e na Escola Profissional de Espinho. O jovem violinista acredita, por isso, que é uma boa oportunidade para se mostrar: "Se ela gostar da minha actuação, pode ser que tenha sorte".

Compositores nacionais dignificados

Mas a avaliação não é fácil. Madalena Sá e Costa, um dos elementos com poder decisório desde a primeira edição, salienta que a dificuldade é consequência directa da grande qualidade dos participantes.
"O Concurso é, em todas as edições, uma grande montra de talentos. Como tal, é natural que muitos dos que por cá passaram tenham já conseguido alcançar sucesso nas suas carreiras", afirma Madalena Sá e Costa. E acrescenta: "É preciso salientar, para além de tudo o mais, a importância extraordinária que o "Júlio Cardona" tem para a música portuguesa, ao incluir nas peças de interpretação obrigatória pautas de compositores nacionais. O que implica que os concorrentes estrangeiros tenham que as tocar e as fiquem a conhecer".


 

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