João Correia
João Correia

 

 

 

 


O Homem dos sete instrumentos

1. O Congresso de Coimbra sobre Jornalismo e Internet foi perturbante por várias ordens de razão. Mais uma vez, comprovou-se serem as ciências da Comunicação e o Jornalismo, e as diversas modalidades de estudos teóricos que lhe estão relacionados, um dos locais onde se procede a uma reflexão multifacetada e pluridisciplinar sobre o mundo de hoje. Se quisermos, podemos dizer que a teoria que se constrói sobre esta matéria raras vezes fica encerrada numa redoma de aço: confronta-se com realidades novas, com a proliferação de situações de fronteira, com a reflexão sobre a identidade das profissões. As Ciências da Comunicação são um lugar estimulante, atrevido, arrojado de reflexão científica. Porém, a perturbação do autor destas linhas prende-se prioritariamente com a constatação de um facto: as Novas Tecnologias da Informação (a partir de agora NTIs) vieram de novo desencadear uma incessante, prolífera e inquietante discussão sobre a identidade e a sobrevivência das profissões que eram responsáveis pela mediação simbólica. Numa palavra que é ser hoje jornalista? Que é fazer jornalismo? Houve respostas para todos os gostos.

2. Numa forma de aproximação que me pareceu escassa mas compreensível, o Jornalismo será uma profissão que não conhece mudanças. O Jornalismo On-line é a transposição directa de uma certa forma de olhar e de nos relacionarmos com o mundo, criada por volta do século XIX, para o suporte informático. Um jornal on-line é um jornal de papel lido por outros meios. A especificidade do medium não altera a especificidade da mensagem. No limite, sem pretender ser injusto, McLuhan era um irreflectido que desconhecia a irredutível especificidade do olhar jornalístico: a mensagem permanece idêntica em qualquer meio e, estas, são inevitavelmente boas notícias para o mensageiro que fica dispensado de aprender html e bases de dados. Os problemas com as fontes permanecem iguais. A relações com os públicos permanecem inalteráveis. Graças a Deus.

3. No extremo oposto, o jornalista é, graças as NTI, um caracol que leva atrás de si toda a estrutura organizativa da empresa mediática quem sabe se não leva a rotativa? Quem ouviu a interessantíssima intervenção de Pavlik, passará a olhar para o jornalista de outro modo: "Caramba, homem! Você não é um mediador. É um sistema mediático." É assim: o jornalista sai munido com as ferramentas a que Pavlik chama de Mobil Journalist Work Station, munida de Internet, Máquina fotográfica digital , scanner, editor de textos, editor de fotografia, televisão, etc. Segundo o DN , Pavlik acredita que é preciso escrever melhor, de forma cativante e abandonar progressivamente o estilo jornalístico interpretativo. No limite, lembro-me do fantástico homem dos sete instrumentos que um dia vi numa feira: tinha os pratos de percussão nos joelhos, soprava um trompete e um realejo e alternava a viola com a concertina. Não era um exímio executante.
Segundo João Figueira, do Instituto de Estudos Jornalísticos, numa boa intervenção marcado por um estilo de ironia preocupada, os cursos de Comunicação são os que pior preparam para o mercado: preocupam-se com ética e deontologia, com as relações entre comunicação e cidadania, com os efeitos dos media: no mercado toda a gente quer é vender espaço publicitário, atrair audiência e saber fazer sem espírito crítico. Esta conferência tocava habilmente nos paradoxos deste mundo: o juramento de Hipocrates que fez aquele médico citado por uma relatório de um Delegado de informação médica como um "vigarista honesto"; o compromisso com a harmonia e a segurança assumida pelo arquitecto que assinou o projecto de um prédio que ruiu; etc.
Para alguns animados participantes do debate, seguidores fiéis da nova grande pensadora crítica T. Guilherme, tudo é uma questão de sobrevivência. (sic, perdão tvi). Devo dizer-vos que neste último caso devia ser profundo o mal que corroía as possibilidades de sobrevivência do conferencista porque, no essencial, estava convenientemente nutrido. Felizmente que a sobrevivência para alguns pensadores menos ingénuos resume-se afinal, em mais ou menos um fim de semana nas Caraíbas. "Querido estou a morrer. O dinheiro só deu para duas noites em Paris. Provavelmente morro."

4. Para a UBI, ou pelo menos para a parte com que me identifico, as NTIs são uma ferramenta necessária que pode despertar novas questões políticas, éticas e deontológicas. Será preciso manter a especificidade do olhar do jornalismo, e simultaneamente ser capaz de entender que esse olhar terá que se adaptar às condições de um novo fazer. Provavelmente, a "nova retórica será uma retórica mediatizada" (A. Fidalgo) o que significa que a Ética, a Política, o Espaço Público sofrerão transformações que passam pela aceitação de novos saberes, novas respostas acerca do modo de fazer. Para quê abdicar e aceitarmos o que nos querem impingir. As linhas de investigação que se desenvolverem no Labcom serão feitas a fitar num espaço público do nosso tempo com as exigências do nosso tempo sem precisarmos de nos justificarmos à luz de uma auto-proclamada sobrevivência.

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