O anfiteatro da Faculdade de
Direito da UC encheu durante os dois dias em que decorreu o I
Congresso Internacional sobre Jornalismo e Internet. O público,
cerca de 500 pessoas, era maioritariamente constituído
por estudantes das diversas licenciaturas de Jornalismo e Ciências
da Comunicação do País. Nas mesas, a organização
procurou reunir os mais proeminentes representantes dos meios
jornalístico e académico, nacionais e internacionais,
para que, juntos, discutissem questões como a ética
dos novos media, os direitos de autor dos ciberjornalistas, a
formação dos jornalistas no século XXI e
a eternizada questão jornalismo versus produção
de conteúdos. O secretário de Estado da Comunicação,
Arons de Carvalho, não esteve presente na sessão
de abertura devido a uma reunião inadiável, mas
Fernando Rebelo, Reitor da Universidade de Coimbra, fez as honras
da casa e felicitou a iniciativa.
Organizar este Congresso foi para o IEJ também uma forma
de colmatar algumas lacunas relacionadas com a formação
inicial dos alunos de Jornalismo. É esta pelo menos a
convicção da directora do Instituto, Isabel Vargues,
para quem "as matérias teóricas ficam muitas
vezes melhor esclarecidas com debates".
O evento ficou marcado pelo encerramento do serviço de
actualização de notícias do site expresso
on-line e o artigo publicado no jornal Público sobre a
denúncia do Sindicato dos Jornalistas acerca da "exploração"
dos jornalistas estagiários.
Rapidez não pode invalidar rigor
Os oradores da mesa redonda
"Os novos media implicam uma nova ética?" foram
unânimes em considerar que não existe uma nova ética.
Pelo contrário, exige-se não um afastamento daquilo
que são os valores éticos globais inerentes ao
jornalismo mas sim um aprofundamento desses mesmos valores. Uma
ideia sustentada por Helder Bastos, editor da redacção
norte do Diário de Notícias, segundo o qual o facto
de não existirem limitações de espaço
e tempo na Internet pode levar os "novos jornalistas a entrarem
em ladeiras eticamente escorregadias".
Ainda neste sentido, Deolinda Almeida, directora executiva do
Dinheiro Digital, alerta para os cuidados redobrados que se impõem
devido às características da Internet: rapidez,
multiplicidade de informações e a concorrência.
Para esta jornalista, é fundamental que o rigor jornalístico
prevaleça sobre a rapidez da Internet. Uma ideia partilhada
por Paco Olivares, do El País Digital, que reafirma a
importância de reforçar a validade dos códigos
éticos. "A chave do jornalismo deve ser difundir
informação verdadeira e desinteressada", afirma.
"O que falta em Portugal
em termos de Internet
é actividade dos tribunais, não é regulação"
O segundo painel do Congresso
introduziu a recente questão dos direitos de autor no
ciberespaço. Joaquim Vieira, do Observatório de
Imprensa, defende os direitos dos jornalistas sobre os textos
que publicam na Internet. No entanto, lamenta o facto de haverem
poucos textos assinados. "Não existe direito de autor
quando os textos não são assinados", explica.
Para este orador, uma das formas de proteger os direitos de autor
dos jornalistas pode ser o pagamento de um preço simbólico
de acesso à Internet.
O direito de um autor sobre o seu texto pode também implicar
o direito de recusar a sua publicação on-line quando
ele for escrito para papel ou de exigir uma remuneração
adicional devido ao que, no fundo, é uma segunda publicação.
Uma questão cuja solução difere segundo
os tribunais, mas em relação à qual não
existem exemplos portugueses. Isto porque, segundo o jurista
Manuel Lopes Rocha, "o que falta em Portugal em termos da
Internet é actividade dos tribunais e não regulação".
Actualmente responsável pelo projecto Imaterial.Tv, Miguel
Gaspar optou por fazer uma análise da situação
da comunicação social na Internet. Este antigo
jornalista do Diário de Notícias acredita que não
existe um jornalismo on-line. "No essencial, o jornalismo
é sempre o mesmo, mas cada meio supõe novas linguagens",
explicou. E essa nova linguagem ainda não foi criada para
a Internet.
Internet desafia actuais
currículos universitários
Nélson Traquina, professor
na Universidade Nova de Lisboa, moderou novo debate que juntou
na mesma mesa jornalistas e docentes. Uma discussão sobre
as necessidades do mercado de trabalho e a preparação
dos futuros jornalistas.
Para António Fidalgo, docente na Universidade da Beira
Interior (UBI), "os novos meios de comunicação
permitem dotar os cursos com instrumentos necessários
à boa formação dos alunos, a custo zero".
O director do jornal on-line da UBI - Urbi @ Orbi - deu o exemplo
concreto da instituição onde lecciona. O docente
sublinhou ainda que, actualmente, os alunos precisam da mesma
formação teórica que os media já
exigiam, "não se torna necessário alterar
a estrutura curricular dos cursos".
Já para Concha Edo, da Universidade Complutense de Madrid,
deve haver uma adequação dos actuais currículos
universitários de jornalismo às exigências
colocadas pela Internet. "É necessário criar
uma linguagem nova nas universidades que responda às novas
lógicas das redacções", justificou
a docente.
José Vítor Malheiros, director do Público.pt,
defendeu que o estudante de jornalismo deve adquirir novas competências
e acusou algumas universidades de terem medo de fazerem formação
profissional.
Jornalistas ou produtores
de conteúdos?
Foi a temática "jornalistas
versus produtores de conteúdos" que finalizou estes
dois dias de debate. O medo da crescente expansão das
novas tecnologias poder "matar" a classe jornalística
foi abordado numa mesa redonda onde estiveram Avelino Rodrigues
do sindicato dos Jornalistas, Jorge Wemans da Agência Lusa,
Manuel Pinto da universidade do Minho, Paulo Salvador e Paulo
Bastos da TVI.
Jorge Wemans, director de informação da Lusa, considera
que "sobrepôr a produção de conteúdos
ao jornalismo é um abuso". Já para Manuel
Pinto, director do departamento de Ciências da Comunicação
da Universidade do Minho, "os jornalistas são produtores
de conteúdos, só que é preciso ir mais longe
e especificar que tipo de conteúdos são".
Paulo Salvador, jornalista da TVI, salientou que, apesar de todas
as mudanças que atravessam o sector do jornalismo, "há
princípios que se mantêm eternos, um deles é
o de que uma boa reportagem é uma boa reportagem e que
um mau conteúdo nunca deixará de ser um mau produto".
Para este profissional, o jornalista é produtor, gestor
e vítima dos conteúdos, restando apenas "fazer
melhor". Mas este mostrou-se muito mais preocupado com o
facto de os direitos de autor dos jornalistas serem vendidos
e alugados sem qualquer tipo de defesa, com a mão-de-obra
barata que existe no jornalismo e com alguns empresários
que criam projectos que rapidamente acabam.
Avelino Rodrigues afirmou viver-se um clima de crise no meio
jornalístico, mas mostrou-se confiante num jornalismo
de futuro "mais culto, mais contextualizado, embora também
mais selectivo".
Presidente "subversivo"
Durante o encerramento do I
Congresso Internacional sobre Jornalismo e Internet, Jorge Sampaio,
Presidente da República, mostrou de uma forma peculiar
que o que os media não mostram, não existe. Perante
os olhos atentos da plateia, Jorge Sampaio fugiu aos microfones
das rádios e televisões, retirando-se para um canto
da mesa. "Se eu não passasse para ali", referindo-se
ao seu lugar central, "a minha presença em Coimbra
era completamente inexistente". Mas Jorge Sampaio voltou
ao seu lugar inicial e criticou os meios de comunicação
nos critérios que eles adoptam para escolher as personagens
das suas peças jornalísticas. O Presidente mostrou-se
satisfeito por se "começar a discutir seriamente
todas as implicações que as novas tecnologias trazem
para a comunicação em geral e para o jornalismo
em particular". |