» João Morgado

 

 

 

 


Autarquias


Como será a gestão autárquica nos próximos anos? Complicada.

A manter o sistema actual, na sua generalidade, é fácil antever autarquias endividadas, com poucas soluções e prestando um mau serviço aos munícipes.

Endividadas porque os actuais executivos terão a tentação de esticar a corda do crédito, lançando o pagamento da factura para mandatos futuros. Caso o crédito sirva para lançar obra de futuro, aproveitando os fundilhos do apoio comunitário e estruturando os concelhos, então esse endividamento será aceitável. As autarquias não são empresas privadas com fins lucrativos. É por isso aceitável que trabalhem no seu limite económico, desde que os resultados sejam palpáveis e de inegável valor para as populações.

O endividamento tenderá a ser agravado pela parca capacidade de as autarquias gerarem recursos próprios que não passem por desbaratar património. Se as câmaras têm cada vez mais competências - ou seja, mais problemas para resolver - e se essas competências não são acompanhadas de proporcionais meios financeiros, é de antever uma ruptura a breve prazo. Rotura económica e, sobretudo, rotura nos serviços. É fácil de depreender que esgotados os fundos Comunitários, os Governos serão mais ponderados na transferência de meios para o Poder Local, o que agravará a sua capacidade de actuação - sobretudo nos médios e pequenos municípios.

Esta antevisão - um pouco pessimista, confesso - levará a outra consequência. O Poder Local será cada vez menos apetecível. Não... é claro que nunca faltarão nunca candidatos às Câmaras. Contudo, estou em crer que a qualidade humana e técnica dos candidatos será cada vez menor. As limitações jurídicas que vêm sendo impostas à actuação das autarquias, as limitações financeiras já referidas, a enorme avalanche de responsabilidades, a enorme exposição pública a que são sujeitos os titulares dos cargos, e uma relativa falta de compensação financeira, levarão a que os mais competentes optem pela sua vida profissional. Ficará o caminho aberto para os políticos de carreira que, salvo raras excepções, apresentam quase sempre confrangedoras limitações humanas e técnicas. Por isso, os candidatos tenderão a ser figuras de proa de outras forças, quer sejam políticas, quer sejam financeiras. Logo, figuras aprisionadas a enormes compromissos, sem capacidade de acção e, cada vez menos, com a capacidade altruísta de servir o cidadão.

As próximas eleições poderão já ser um enorme campo de análise deste fenómeno.

A "máquina" avassaladora

O panorama não se apresenta favorável para os próximos tempos. Pelas razões apresentadas mas, também, porque as autarquias estão reféns de uma "máquina" pesada, avassaladora e em perfeito colapso. Uma "máquina" sequiosa, que sorve grande parte das verbas transferidas pela Administração Central e que, em grande parte, se mostra
.incapaz de prestar bons serviços ao nível das exigências das sociedades contemporâneas. A burocracia aviltante em que é mergulhado o cidadão é apenas a face mais visível da incapacidade estrutural dos serviços autárquicos.
Por isso, importa estudar uma nova configuração dos serviços públicos, agilizando os seus serviços e "emagrecendo" as estruturas.
O Poder Local é a grande vitória do "25 de Abril", mas acredito que, passadas mais de duas décadas, terminou um ciclo. Necessita por isso de uma urgente revitalização. Entre outras medidas, por exemplo, importa incentivar a cooperação intermunicipal criando economias de escala, aumentar a eficiência dos seus serviços e privatizando muitos deles e, reformar a Lei Autárquica, permitindo executivos com reforçada capacidade de acção e Assembleias Municipais com maior participação e capacidade fiscalizadora.
De uma forma simplista, diria que vivemos ainda nos resquícios de um modelo político assente num Estado-Pai que a todos governa, o Big-Brother omnipresente e centralizador que tudo vê e tudo controla directamente.
Obviamente, é tempo de mudar.

Possíveis soluções estratégicas

As necessidades são ilimitadas, mas os recursos são escassos, pelo que é urgente a sua optimização. Assim, as autarquias têm de assumir que não têm capacidade de dar respostas sérias a todos os problemas que se lhes deparam. Em Portugal o reduzido tamanho de muitos municípios aumenta ainda mais a incapacidade de resposta - o assunto que merece também uma reflexão futura.
A gestão pública já mostrou muitas das suas limitações e consequência da má gestão. Se alguém precisar de bons exemplo, olhem para o fim da JAE - Junta Autónoma de Estradas que se dividiu em três institutos, quadriplicou os gastos com a Administração e Direcções Gerais e apresenta os lamentáveis resultados que se conhecem - a catástrofe de Entre-os Rios é a dolorosa evidência. Outro exemplo clamoroso, é a gestão da RTP em comparação com outros canais privados

Assim, nas autarquias exigem-se medidas estratégicas, como por exemplo:

Alteração da Lei Eleitoral - É verdade que foram discutidas em tempo inoportuno e, por isso, pressionados pelo calendário. Lamentavelmente ficaram adiadas as alterações à Lei Eleitoral. É pena, porque são fundamentais. Pela minha parte, em principio, sou defensor de executivos mono-colores. Gosto que todos os marinheiros puxem o barco para a mesma margem. Discussões inúteis e um desaproveitamento das potencialidades de vereadores, só enfraquece a gestão de um município. Tomemos o exemplo da Câmara da Covilhã: em vez de ter cinco vereadores contra quatro, não seria preferível ter nove vereadores a trabalhar em prol do concelho? Penso que sim. Claro que esta a alteração obrigaria a uma outra mais importante - ao alargamento das capacidades da Assembleia Municipal. Um órgão de enorme importância que deveria ter maior capacidade fiscalizadora, maior influência nas grandes decisões, e por isso, uma actuação mais regular. Aqui seria efectuado o debate político e o controlo de um executivo que, por seu lado, teria maior capacidade de acção e de resolução dos problemas, sem falsas desculpas ou subterfúgios...

Modernização - Um dos grandes entraves ao bom serviço da autarquia prende-se com a burocracia interna... e externa! Os mecanismos de controlo e fiscalização são fundamentais para conhecer a gestão dos dinheiros públicos. Contudo, a morosidade de processos leva a efeitos contrários. Obras paradas à espera de concursos públicos, ou projectos pendentes do visto do Tribunal de Contas, são os exemplos mais comuns. Antes de mais, é urgente a informatização dos serviços públicos. É mais que uma necessidade, é uma medida imperiosa. Para além de agilizar os serviços, permite uma maior transparência, abertura ao pública, maior capacidade de resposta. Um serviço de internet permitirá uma maior interacção com o munícipe e uma intra-net permitira a criação de uma rede integrada entre, por exemplo, câmara, juntas de freguesia, escolas, associações....os projectos de Cidades Digitais são de enorme importância.
Também o Estado deve descentralizar serviços e responsabilidades por forma a tornar mais célere os processos da administração local. Uma das medidas mais prementes seria a criação de um Conselho Fiscal Municipal que, eleito ou nomeado pela Assembleia Municipal, pudesse dar um primeiro parecer, necessariamente mais rápido que o Tribunal de Contas, que continuaria à posteriori, a manter o parecer vinculativo. Esta medida permitiria que as autarquias pudessem dar seguimento aos seus projectos imediatos.

Parcerias - As autarquias não podem ser entendidas como células isoladas e auto-suficientes. Pensar assim é um erro crasso. A associação entre municípios permite economias de escala, a optimização de recursos e o alargar do leque de acção. Permitirá ainda constituir gabinetes técnicos adequados, para encontrar soluções integradas. Acredito mesmo que num futuro próximo o Governo terá que racionalizar as suas comparticipações financeiras, pelo que tenderá a privilegiar os projectos supra-municipais, estabelecendo contratos-programa específicos. O próprio Fundo de Equilíbrio Financeiro, após a revisão dos seus factores de cálculo, deverá orientar maiores fatias do orçamento para municípios que apresentem uma gestão integrada em projectos regionais. Da mesma forma, será mais fácil conseguir novos soluções de financiamento junto da banca. Associações ou Federações de municípios oferecem mais garantias e maior capacidade de rentabilização de projectos. Mas as parcerias devem ir mais além do espectro político. Urge congregar outras entidades fundamentais para o desenvolvimento regional, como os estabelecimentos de ensino e o tecido empresarial. Existem já enquadramento legal, resta apenas uma nova mentalidade.

Privatizações - Determinados serviços autárquicos enfermam pela sua organização e não apresentam a qualidade devida. Seria fácil culpar os trabalhadores municipais, mas seria uma acção injusta e pouco inteligente. A verdade é que a maioria dos serviços não são rentáveis economicamente, pelo que, na maioria dos casos não dispões de condições para executarem suas tarefas. Mas a verdade é que estamos demasiado arreigados à ideia do estado que deve assegurar todos os chamados serviços públicos. Mas tomemos outro exemplo: um hotel. Hoje uma moderna unidade hoteleira efectua a gestão da promoção, das reservas e dos pagamentos, mas deixa a terceiros a rentabilização de serviços que seriam verdadeiras nódoas financeiras - a segurança, a limpeza, a lavandaria e o próprio restaurante. Porquê? Porque firmas especializadas e com um mercado mais alargado, podem efectuar uma melhor gestão do pessoal e do equipamento, tornando viável a sua actividade. Para além do facto, destas empresas não estarem acorrentadas a concursos públicos, o que lhes permite maior flexibilidade e capacidade processual.
As autarquias, muito em breve, terão que iniciar de uma forma progressiva, a privatização de serviços, ou criar empresas com participações municipais. Alguém tem dúvida que uma empresa de recolha de lixos a nível regional, teria uma maior capacidade de rentabilização das rotas? Outros serviços poderão ser privatizados, como por exemplo, a segurança, os serviços de limpeza, o tratamento das áreas verdes, etc... embora sendo um processo que enfrenta algumas forças de resistência - sobretudo por parte dos funcionários - a verdade é que existem autarquias com bons exemplos e a merecer um estudo aprofundado. Mais que nunca, as autarquias tenderão a integrar os seus serviços numa economia de mercado, mais ágil e com maior capacidade de adaptação às mudanças nos diversos sectores. Mais que "fazer", vai caber às autarquias modernas a função de abrir concursos e fiscalizar a execução objectiva e clara desses serviços. Será uma aposta na rentabilização económica dos municípios mas, sobretudo, uma aposta fundamental na qualidade do serviço público. Uma medida que, para além do mais, permitirá libertar os eleitos políticos e o seu staff da gestão doméstica, dando-lhes a possibilidade de uma maior entrega a outras funções. Uma autarquia mais "leve" exige menor esforço quotidiano, o que permite agendar espaços de reflexão política. Por vezes os autarcas, empanturrados de papéis que exigem assinaturas, pressionados para pequenas decisões em serviços menores, não têm tempo para pensar, analisar, programas...tomar as grandes decisões, implementar as grandes reformas, responder ao anseios dos munícipes que os elegeram!

Acredito que tudo o que aqui foi escrito não merecerá a concordância de todos. Mas, estou certo, as questões levantadas merecerão cada vez mais um olhar atento. Outras visões do problema poderão - deverão - ser equacionadas. Outras alterações podem ser atiradas para a fogueira da discussão pública. Só a apatia deverá merecer o nosso unanime repudio.

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