» Francisco Paiva
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Eco-lógicas
Motivam estas letras outra mão cheia delas que li na última
edição do Notícias da Covilhã, apesar
de sempre que escrevo para publicar sentir estar a meter a foice
em seara alheia. A peça versava a última panaceia
para o interior serrano, ventoso e árido: a Energia Eólica.
Ao redactor da notícia agradeço, por oportuna,
e pelo pretexto que me ofereceu de sacudir a preguiça
e maçar-vos com esta opinião, sempre de tão
difícil verbalização porque tão evidente
para o ego egoísta, passe o pleonasmo.
Relembro "a priori" que esta Terra do Demo foi habitada
por gente que com os machos, mulas e burros carregados de carvão,
produzido nas uchas, a calcorreou, por mulheres que, por caminhos
de pé posto, carregavam ovos à cabeça, em
cestos de vime para venderem ou trocarem por sardinha no então
Pelourinho da cidade (presumo à época merecedor
do nome). As adversidades, formaram comunidades que a tudo se
habituaram a reagir com reconhecida sageza, que frequentemente
consistia em ignorar. Mas não podendo silenciar aqui vai:
A exploração dos recursos naturais não é
para este povo coisa nova. As sequelas são bem presentes
para as viúvas e órfãos da silicose, ou
para todos os que durante dezenas de anos não viram um
único peixe ou limo no Zêzere, a jusante da lavaria
das Minas da Panasqueira, queimados que foram pelo cianeto. Espera-se,
todavia, que sejam apenas boatos as informações
de que esses quilómetros de galerias subterrâneas
alojam contentores de detritos radioactivos, oriundos da Europa
civilizada, análogos à embalagem encontrada há
anos nas margens de uma estrada municipal, para a qual nunca
foi dada justificação tranquilizadora.
Este mesmo Zêzere que hoje é evitado pelos banhistas,
por força da canalização das estruturas
de saneamento básico directamente para o seu leito. Ou
melhor, por as ETARs não serem mais do que edifícios
de tratamento virtual dos efluentes concretos.
Deste universo de acontecimentos, provavelmente porque de um
meio despovoado, nem os ecologistas (ainda) se ouviram, nem sequer
os técnicos do domínio da Química, aos quais
se pede apenas se voluntarizem a opinar sobre estes assuntos,
como também sobre a utilização desbragada
de pesticidas, herbicidas e venenos afins para "cuidar"
das terras e das reservas freáticas.
O estigma da energia eólica persegue-me desde que, há
uns anos, vi a mítica Serra de Montemuro povoada de hélices,
e mais recentemente, com outra magnitude, a costa mediterrânica
de Espanha, cerca de Jerez de La Frontera, contaminada não
só pelas ditas mas pelos seus destroços desactivados,
ferrugentos e por desmantelar, tal qual um cemitério industrial,
mas desta feita em plena orla marítima.
A veemência do repúdio a essas lixeiras julgo poder
ser correspondida por qualquer humano não pertencente
à organização que as instalou, e mesmo a
esses concedo o benefício.
Há motivos mais racionais que concorrem para argumentar
contra tão torpe empreendimento (de instalar nas cumeeiras
beirãs as ventoinhas), pelo que passo a expô-los,
sumariamente. Todos sabemos que somos o País com maior
percentagem de posse de telemóveis, mas poucos se interrogam
sobre quantos desses produzimos. Todos sabemos que pagamos os
automóveis mais caros, não produzimos nenhum e
temos as piores estradas. Todos sabemos que nada tem sido feito
para substituir esse veículo nas circulações
interurbanas, e que as prioridades políticas não
coincidem com as reais.
Estas são algumas das inúmeras razões que
me movem, com a certeza de que os anunciados 70 milhões
de contos, oferecidos pela CEE, para a aplicação
de mecanismos de exploração de energias renováveis,
se destinam exclusivamente a comprar tecnologia europeia (leia-se
alemã), sem que a Universidade e os investigadores portugueses
sejam convocados. Complementarmente, alimentam-se os ditos empreendedores.
A verborreia da criação de postos de trabalho não
convence, pois exigimos saber se esses postos de trabalho vão
além da categoria do cabouqueiro, como outrora do mineiro
de desmonte.
Sejamos lúcidos. O novo não é em si mesmo
um valor. O Progresso não é sinónimo do
desenvolvimento que precisamos, e os efeitos colaterais devem
ser pesados. Bem sei que para a Junta de Freguesia ou proprietários
a quem sejam pagas as contrapartidas, e sabendo da precaridade
dos orçamentos autárquicos e familiares, meia dúzia
de contos dados são agradáveis. Mas mais uma vez
o saber popular, esse tão apregoado senso comum, diz que
"quando a esmola é grande o santo desconfia",
o mesmo que dever-se avaliar as consequências de tão
bem sonantes protocolos.
Se quiserdes explorar o interior então olhai para as queimadas
anuais como potencial, imenso, de reflorestação,
com espécies autóctones, se não for pedir
demais.
As grandes linhas dos PDMs, que tão ciosamente determinam
o possível dentro dos municípios, não terão
qualquer instrumento legal que regulamente, enquadre ou proíba
o saque à mais larga escala, da paisagem?
Beirões, não consintais que o perfil virgem da
Serra do Açor passe a impedir o avanço do olhar
para o céu!
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