VANDA
Edmundo Cordeiro
Diante das imagens da arte,
o olhar fica um tanto perdido. As imagens da arte operam uma
despotencialização do olhar, no sentido em que
retiram qualquer coisa da sua soberaria (ver = saber, é
esta em geral a condição do visível, é
visível aquilo que sabemos do visível)
Diremos
que fica perdido no "tempo", ou, noutras palavras,
fica perdido no "visual", o lugar onde esperamos o
que não vemos ainda, onde esperamos o que não sabemos
ainda.
É esse o termo que Georges
Didi-Huberman propõe e que visa funcionar como uma nova
categoria - à parte, deslocando todas as outras, do tipo
imagem, simulacro, real, o que seja: o "visual"
O que é o "visual"?
"Visual" é
aquilo que se interpõe entre ver e saber
Aí
onde "apanhamos" a imagem e onde ela, por sua vez,
nos apanha. "Visual" significa aquilo que na imagem
manifesta a génese da visibilidade no seio do visível.
Génese? Quer dizer que
o visível depende sempre de um começo da visão,
um começo incessante da visão, e o "visual"
marca no seio do visível essa génese da visibilidade,
marca sempre um começo incessante da visão
É uma maneira de dizer que "Sempre, diante de uma
imagem, estamos diante do tempo" ("Devant le Temps",
9)
"Diante de uma imagem
- por mais antiga que ela seja -, o presente não deixa
de se reconfigurar, mesmo que a despossessão do olhar
tenha quase por completo cedido o lugar ao hábito enfatuado
do "especialista". Diante de uma imagem - por mais
recente, por mais contemporânea que ela seja -, também
o passado não deixa de se reconfigurar, dado que essa
imagem não se torna pensável senão numa
construção da memória ou mesmo da obsessão.
Diante de uma imagem, finalmente, temos de reconhecer humildemente
isto: que ela nos sobreviverá provavelmente, que nós
somos diante dela o elemento frágil, o elemento de passagem,
e que ela é diante de nós o elemento do futuro,
o elemento da "durée". A imagem tem muitas vezes
mais memória e mais futuro que o ente que a olha."
("Devant le Temps", 10)
Trata-se então de procurar
pensar por aqui essa imagem-acontecimento na qual imagem é
o que surge na forma da irrupção de um modo novo
de visibilidade que rasga o horizonte "normal" do olhar.
Esse repuxo
As imagens da arte como um repuxo no horizonte
"normal" do olhar, onde ver = saber não é
bem assim, nunca foi bem assim
É o que podemos esperar
"No Quatro Da Vanda" (Pedro Costa), cujo lugar não
é a representação, mas o "visual".
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