SINAIS (7)
Edmundo Cordeiro
Sétima e última
parte da tradução de "L'image de la pensée",
conclusão da Primeira Parte de PROUST ET LES SIGNES, de
Gilles Deleuze, PUF, Quadrige, Paris, 1964, pp.115-124.
"Proust é platónico,
mas não o é vagamente, apenas por ter invocado
as essências ou as Ideias a propósito da pequena
frase de Vinteuil. Platão dá-nos uma imagem do
pensamento sob o signo dos encontros e das violências.
Num texto da REPÚBLICA (VII, 523b-525b), Platão
distingue duas espécies de coisas no mundo: as que deixam
o pensamento inactivo, ou lhe dão somente o pretexto de
uma aparência de actividade ; e as que dão que pensar,
as que forçam a pensar. As primeiras são os objectos
de recognição; todas as faculdades se exercem sobre
estes objectos, mas num exercício contingente, que nos
faz dizer "é um dedo", é uma maçã,
é uma casa
etc. Pelo contrário, há
outras coisas que nos forçam a pensar: não se trata
já de objectos RECONHECÍVEIS, mas de coisas que
infligem violência, sinais QUE SE ENCONTRAM. São
"percepções ao mesmo tempo contrárias",
diz Platão. (Proust dirá: sensações
comuns a dois locais, a dois momentos.) O sinal sensível
inflige-nos violência: mobiliza a memória, põe
a alma em movimento; mas a alma, por sua vez, comove o pensamento,
transmite-lhe o constrangimento da sensibilidade, força-o
a pensar a essência como a única coisa que deve
ser pensada. Desta forma, as faculdades entram num exercício
transcendente, cada qual embate no seu próprio limite
e alcança o seu limite próprio: a sensibilidade
que apreende o sinal; a alma, a memória, que o interpretam;
o pensamento, forçado a pensar a essência. Sócrates
pode dizer legitimamente: mais do que o amigo, eu sou o Amor,
eu sou o amante; mais do que a filosofia, eu sou a arte; em vez
da boa vontade, eu sou o peixe-aranha, o constrangimento e a
violência. O BANQUETE, o FEDRO e o FÉDON são
os três grandes estudos dos sinais.
Mas o demónio [espírito próprio] socrático,
a ironia, consiste em antecipar os encontros. Em Sócrates
a inteligência precede ainda os encontros; a inteligência
provoca-os, suscita-os e organiza-os. O humor de Proust é
de outra natureza: o humor judeu contra a ironia grega. É
PRECISO SER-SE DOTADO PARA OS SINAIS, ABRIR-SE AO SEU ENCONTRO,
ABRIR-SE À SUA VIOLÊNCIA. A inteligência vem
sempre depois, é boa quando vem depois, é boa somente
quando vem depois. Vimos como esta diferença relativamente
ao platonismo engendrava muitas outras diferenças. DEIXA
DE HAVER LOGOS, PASSA A HAVER SOMENTE HIERÓGLIFOS. Pensar
é, pois, interpretar, pensar é traduzir. As essências
são simultaneamente a coisa a traduzir e a própria
tradução, o sinal e o sentido. As essências
embrulham-se nos sinais para nos forçar a pensar, estendem-se
no sentido para ser necessariamente pensadas. O hieróglifo
está por todo o lado, e o seu duplo símbolo é
o acaso do encontro e a necessidade do pensamento: "fortuito
e inevitável"." (Sublinhados, alguns, do tradutor.)
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