José Geraldes
José Geraldes

 

 

 

 


A tragédia de Entre-os-Rios e as pontes do Zêzere

A tragédia da queda da ponte de Entre-os-Rios, com perda de vidas humanas, coloca problemas que são de dimensão nacional. O que aconteceu na noite fatídica de 4 de Março podia dar-se noutro local do País.
O inquérito que o Presidente da República deseja aprofundado e que não dê azo a qualquer tipo de especulações, dir-nos-á as causas próximas de tragédia. Mas há causas remotas que especialistas têm levantado e a que se torna necessário prestar toda a atenção.
Não se compreende a atitude de orelhas moucas do poder político face a pedidos insistentes para a construção de uma nova ponte. E ainda com a agravante do assunto ter sido debatido na Assembleia da República.
Também é de estranhar que a ponte estivesse encerrada por 30 dias em Abril de 1990, por decisão da ex-Junta Autónoma das Estradas (JAE), para reparação "urgente" para "evitar uma tragédia", e só se verificasse "o adiantado estado de degradação do tabuleiro, com o pavimento a ceder constantemente e os buracos a surgirem por todo o lado".
A 9 de Janeiro deste ano a população bloqueou a ponte em protesto contra o mau estado da via. Mas o inédito é o facto de a última inspecção do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), feita também em Janeiro último, se tenha limitado ao estado do tabuleiro e dos pilares da ponte acima do leito do rio. Quanto às fundações, não houve qualquer fiscalização. Aqui surge um novo dado da questão que é de ter em conta.
Com a extinção da Junta Autónoma de Estradas e a sua substituição por três novos organismos - Instituto das Estradas de Portugal (IEP), Instituto para a Construção Rodoviária (ICOR) e ICERR - desaparece a Divisão das Pontes que, no dizer, de um especialista do Instituto Superior Técnico, "era uma verdadeira escola de engenharia de pontes". Ou seja, actualmente, e de acordo com actuais e antigos quadros da ex-Junta Autónoma das Estradas, não há vigilância nem manutenção regular do estado das pontes com excepção das grandes como a Ponte 25 de Abril, Vasco da Gama e pontes ferroviárias que estão a cargo da Refer.
Outro facto de monta consiste na existência de apenas dois (!) engenheiros civis entre os administradores destes institutos que substituíram a JAE.
Como é possível assim haver uma política adequada e estratégica para a conservação das pontes? Mais uma vez se observa aqui o nosso proverbial deixa-andar, "nada acontecerá", "tudo correrá pelo melhor". O facilitismo do costume! Ora os problemas de segurança não permitem qualquer falha ou desleixo. Neste ponto, ainda não temos a cultura de exigência dos nossos parceiros desenvolvidos da União Europeia.
Outro dado da questão prende-se com a extracção das areias. Esta actividade tornou-se um Eldorado com que alguns enriquecem, em tempo recorde. A extracção de areias, sem limites, fora de locais apropriados e, sem controlo, mata a pouco e pouco o leito dos rios e as suas margens.
Especialistas aventam a hipótese de a tragédia ter origem no descalço do pilar exactamente pelo desaparecimento da areia que o estabilizava, devido às repetidas cheias que se verificaram nos últimos meses. O excesso de extracção de inertes pode levar à queda de pontes. São os técnicos que o dizem e o demonstram em termos científicos.
A propósito: é do domínio público que no nosso rio Zêzere a extracção de areias se considera exagerada, com todas as nefastas consequências que do facto podem advir. É um aviso às autarquias por onde corre o Zêzere.
Impõe-se, por isso, uma vigilância apertada, a este respeito. E a concessão de licenças não pode obedecer a critérios de compadrio e da "cunha", sistema tão de uso em Portugal e que só tem prejudicado o desenvolvimento do País.
Todos sabemos que lugares de exigências técnicas especializadas são ocupados por incompetentes. As nomeações para esses lugares obedecem somente a critérios de filiação partidária. É a aplicação do conhecido princípio de Peter.
A ponte de Entre-os-Rios era mais que centenária. Daí o cuidado de maior vigilância que devia ter. E quantas pontes centenárias temos no País e, entre nós, na Beira Interior?
As várias cheias excepcionais deste ano não explicam tudo. A cultura da exigência na vigilância das velhas pontes e, em qualquer construção, impõe-se como um imperativo nacional.
A solidariedade com as famílias das vítimas é a atitude mínima de todos nós. Mas esta tragédia deve levar a um exame profundo de consciência, a todos os níveis, para que Entre-os-Rios não se repita noutro qualquer local do País.

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