Frederico Lopes
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Náufragos e Gladiadores:
uma visão metonímica da vida e da morte
Os americanos já podem
naufragar.
Estão prontos para sobreviver a tudo. São espertos
e têm um brilho inteligente no olhar. São inventivos,
assimilaram rapidamente todo o conhecimento da espécie.
Dominam as forças da natureza. Senhores do fogo, são
artistas, são generosos e sem preconceitos substituem,
como mais valia, um sexta-feira negro por uma bola branca qualquer,
ainda que do tipo NBA. São deuses; dão a vida e
a morte a bolas Wilson. Sabem ter sorte, cativam pela simpatia
e até inspiram compaixão. São ecológicos
fetichistas que, finalmente, descobrem alguma utilidade para
o imenso lixo de objectos com que vão enchendo as suas
e as nossas vidas. Estão tão civilizados que a
sua educação sentimental, tendo-lhes sido oficialmente
implantada no sangue e... nos genes, atingiu o climax. Não
se alteram com as ironias do destino. Tudo para eles é,
afinal, uma encruzilhada num espaço infinito da imensa
descaracterização geral, de que são os construtores,
mas em que o destino lhes sorri, ainda e sempre. Eles fazem o
destino - eles são o destino sorridente e optimista que
nos pretende seduzir e cativar.
Ficamos descansados por os
americanos admitirem um hipotético naufrágio -
uma tragédia americana, mais grega que romana. Ficamos
menos descansados por os americanos poderem pensar que sairão
do seu naufrágio como o genoma da nova humanidade. Na
realidade, ficamos preocupados porque, cronologicamente, o Naufrágio
vem depois dos Gladiadores, justamente, numa estreita relação
de causa e efeito.
O Império carrega consigo o estigma da destruição.
Quem sobrevirá a este filme, Tom Hanks ou George W. Bush?
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