Carlos Garrido

 

 

 

 


TELEMÓVEIS E OUTRAS COISAS MAIS*

Naquele tempo o Ensino estava uma bagunça e os Estados sofriam de forte restrições orçamentais. Problemas de antanho. Era-se obrigado a ir à escola. Havia estatísticas internacionais a servir de bitola à acção dos Estados. As criancinhas sofriam com o ensosso das aulas e os professores frequentavam psiquiatras. Como era obrigatório ir às aulas e se progredia automaticamente nos cursos, até era divertido cometer alguns excessos lúdicos, que a expulsão era pena que entrava em contradição com a obrigatoriedade de frequentar os estudos. Por isso não era prática utilizada.
Estas coisas perturbavam-me e dava comigo a falar sozinho na via pública. Mas não havia o perigo de passar por doido. As pessoas pensavam que estava a falar ao telemóvel. Antigamente os loucos davam nas vistas. Com o aparecimento dos telemóveis, inicialmente, as pessoas que os utilizavam parecia que estavam tolinhas. Mais tarde, a sociedade habituou-se a esses aparelhos de comunicação à distância e as pessoas puderam utilizá-los sem receio de serem tomadas por fala-sós. Actualmente os loucos podem falar sozinhos à vontade porque passam despercebidos.
Mas não era só isso que me perturbava e me fazia falar com o D. Pedro. Os Estados sofriam de fortes constrangimentos financeiros, que os obrigava a um rigor e a uma disciplina orçamental que não era compatível com as elevadas despesas públicas no Ensino. Era preciso pagar aos professores, aos funcionários administrativos e havia que suportar todas as despesas de funcionamento e de investimento em equipamentos escolares. Era um dinheirão. E se não era preciso estudar muito para passar para que servia a Escola, para quê desperdiçar tanto dinheiro? O trabalho não era um valor social, tanto que a semana, que antes era composta por cinco dias úteis e dois dias de fim de semana, passou a compreender dois dias úteis e cinco dias de trabalho.
Mas houve uma revolução no Ensino. Ganhou a perspectiva orçamental e a racionalidade económica. Como as escolas ensinavam pouco, os alunos andavam entediados, os professores se sentiam neuróticos e os governantes se viam confrontados com a necessidade de reduzir o despesismo orçamental, houve o bom senso de encerrar as escolas e as universidades. Foi uma grande poupança de verbas e um sucesso político.
Mas a verdade é que a sociedade precisava de engenheiros, informáticos, economistas, juristas, meteorologistas, médicos, veterinários e de técnicos com outras formações. Por isso, o encerramentos das escolas e das universidades trouxe alguns problemas iniciais. Mas o espírito perene e fecundo que levou à revolução do Ensino e permitiu o triunfo das finanças públicas desbravou os caminhos para se encontrar uma solução genial. "Uma no papo e outra no saco". Ou seja, conseguiu-se uma solução que, além de ter resolvido o problema da falta de diplomados nos vários graus de ensino, permitiu obter algumas receitas para as autarquias, mais precisamente para as Juntas de Freguesia.
E, como sempre acontece, as grandes soluções são simples. Quem pretende um diploma do ensino básico dirige-se à Junta de Freguesia de residência, compra e preenche o modelo 26/A e paga 2.600$00 de emolumentos. Para se obter um diploma do ensino secundário é necessário o modelo 27/A e pagar 5.300$00. Para o ensino politécnico e superior é um pouco mais caro, o que é uma injustiça, porquanto nem todas as pessoas têm possibilidades económicas para aceder a níveis de qualificação mais elevados. Enfim, a perfeição é uma utopia.

* Felizmente este artigo é mera ficção.

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