SINAIS (1)
Edmundo Cordeiro
Primeira parte da tradução
de "L'image de la pensée", conclusão
da Primeira Parte de PROUST ET LES SIGNES, de Gilles Deleuze,
PUF, Quadrige, Paris, 1964, pp.115-124.
"Se o tempo tem muita
importância na Recherche [À LA RECHERCHE DU TEMPS
PERDU, de Marcel Proust, "Em Busca do Tempo Perdido"],
é porque toda a verdade é verdade do tempo. Mas
a Recherche é em primeiro lugar busca da verdade. Desse
modo se manifesta o alcance "filosófico" da
obra de Proust: ela rivaliza com a filosofia. Proust esboça
uma imagem do pensamento que se opõe à da filosofia.
Ele atira-se ao que é mais essencial numa filosofia clássica
de tipo racionalista. Atira-se aos pressupostos dessa filosofia.
O filósofo pressupõe de bom grado que o espírito
enquanto espírito, que o pensador enquanto pensador, quer
o verdadeiro, ama ou deseja o verdadeiro, procura naturalmente
o verdadeiro. Outorga-se antecipadamente uma boa vontade de pensar;
toda a sua busca é fundada numa "decisão premeditada".
Decorre daí o método da filosofia: de um certo
ponto de vista, a busca da verdade seria o mais natural e o mais
fácil; bastaria uma decisão e um método
capaz de vencer as influências exteriores que desviam o
pensamento da sua vocação e fazem que tome o falso
pelo verdadeiro. Tratar-se-ia de descobrir e de organizar as
ideias segundo uma ordem que seria a do pensamento, na forma
de significações explícitas ou verdades
formuladas que viriam preencher a busca e assegurar o acordo
entre os espíritos.
Em filósofo há
"amigo". É importante que Proust dirija a mesma
crítica à filosofia e à amizade. Os amigos
são, um relativamente ao outro, como espíritos
de boa vontade que se põem de acordo sobre a significação
das coisas e das palavras: comunicam sob o efeito de uma boa
vontade comum. A filosofia é como a expressão de
um Espírito universal que concorda consigo mesmo para
determinar significações explícitas e comunicáveis.
A crítica de Proust atinge o essencial: as verdades permanecem
arbitrárias e abstractas enquanto se fundarem na boa vontade
de pensar. Só o convencional é explícito.
É que a filosofia, como a amizade, ignora as zonas obscuras
onde se elaboram as forças efectivas que actuam sobre
o pensamento, as determinações que nos FORÇAM
a pensar. Nunca uma boa vontade, nem um método elaborado,
foram suficientes para aprender a pensar; não basta um
amigo para nos aproximar do verdadeiro. Os espíritos não
comunicam entre si senão o convencional; o espírito
não engendra senão o possível. Às
verdades da filosofia, falta a necessidade, a marca da necessidade.
De facto, a verdade não se entrega, trai-se; não
se comunica, interpreta-se; ela não é requerida,
é involuntária. [
]"
[CONTINUA] |