
António Fidalgo
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Bairrismos e complexos
Sofre Portugal de muitos e
variados bairrismos. É-se bairrista por amor ao bairro
ou à terra de que se é natural ou residente, mas
também pela demarcação vincada relativamente
aos outros bairros ou terras. E é este também,
ou seja, a afirmação do bairro, da aldeia, vila
ou cidade, em contraposição aos vizinhos, e até,
em detrimento dos vizinhos, que caracteriza o bairrismo. Porque
amar a sua terra não é o mesmo que ser bairrista.
No caroço de bairrismo está subjacente a divisão
do nós e dos outros que possibilita a afirmação
exacerbada do próprio relativamente ao alheio. Ora o amor
pela terra pode fazer-se de um modo natural, e não complexado
como o é a paixão bairrista. É que o bairrismo
é, em regra, filho dos complexos de inferioridade.
Quem viveu em Lisboa sabe que
não há ali propriamente um bairrismo. Em Lisboa
não se fala muito do Porto, não se diz bem, nem
mal, para além do normal. O inverso já não
acontece. Parece haver uma obsessão no Porto quanto a
Lisboa. Porque no Porto trabalha-se e em Lisboa goza-se, porque
a capital fica com tudo e o Porto com as sobras, porque o Porto
tem os grandes industriais, porque o Porto tem as duas equipas
de futebol à frente no campeonato, porque o Porto isto
e aquilo, e tudo sempre em contraposição a Lisboa.
O Porto sofre da síndrome das segundas cidades, a de um
bairrismo excessivo face às cidades principais.
Passemos aqui para o nosso
pequeno quinhão, o da Beira Interior. Claro que há
os tradicionais bairrismos entre os Tantos de Baixo e os Tantos
de Cima, para não falar dos Tantos do Meio, mas isso é
na divisão de aldeias que não provoca mossa grande.
Mais interessante é o bairrismo ao nível de cidades
e para já nas grandes (grandes à nossa escala,
claro), Castelo Branco, Covilhã e Guarda. Qual a maior,
a melhor, a com mais passado, melhor presente ou futuro mais
auspicioso, são questões que aquecem ânimos,
levam a troca de galhardetes e a rivalidades mais ou menos parolas,
mas sempre parolas.
Na Covilhã houve quem
ficasse enxofrado porque o novo Hospital não ficou com
o nome de Pêro da Covilhã, e quem lamente que a
Universidade da Beira Interior não se chame Universidade
da Covilhã. Pensam esses bairristas que tudo o que está
na Covilhã deve levar o nome da Covilhã em cima.
Mas será que não vêem que esses bairrismos
são fruto de um complexo de inferioridade? Uma cidade
que se quer grande, uma metrópole, tem de ter coração
grande. O complexo bairrista e a parolice são tanto maiores
quanto mais pequenos os horizontes. Num mundo cosmopolita, numa
época de globalização e de multiculturalismo,
os bairrismos não fazem sentido, são resquícios
serôdios de identidades tacanhas.
Experiências pessoais
recentes mostraram-me que em Castelo Branco se fala mais da Covilhã
que na Covilhã de Castelo Branco. Pelos vistos, os complexos
de inferioridade lá são maiores que na Covilhã.
Terminemos com a seguinte conclusão:
só a pequenez é bairrista, a grandeza basta-se
e até se dá a graça de falar bem dos outros.
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