Jorge Bacelar
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TeleVisão
Independente ou TeleVisão Indecente?
Apesar de olhar pouco para
aquele caixote luminoso onde estão em exposição
quase permanente as mais abjectas criações da estupidez
humana, de vez em quando também olho. Já há
tempos enviei um email furibundo para a redacção
da TVI (a da inspiração cristã) devido aos
modos grosseiros em que um jornalista se dirigia a um entrevistado,
insinuando respostas, desdizendo, interrompendo a argumentação
e, por fim, terminando a entrevista abruptamente, quando verificou
que o seu interlocutor não estava minimamente impressionado
ou amedrontado com as suas grosserias. Claro que não obtive
resposta.
Acabei de ouvir/ver uma reportagem (atenção estudantes
de jornalismo: se querem subir rapidamente na hierarquia da indústria
da informação, só têm de adoptar o
modelo...) uma reportagem, dizia, sobre um médico australiano
defensor da eutanásia que teria assistido à morte
de quatro pacientes aproveitando uma 'aberta' na lei. E que estaria
agora a montar uma rede de clínicas por toda a Austrália
dedicadas à divulgação de métodos
de suicídio. Pouco adiantou a inclusão de um fragmento
de entrevista dada pelo próprio. Nada do que ele declarava
- no sentido de esclarecer que muitos doentes que o abordavam
com a ideia do suicídio, após se encontrarem na
posse de informações mais completas, acabavam por
desistir. Nada disso interessava, pois tiraria o substrato à
notícia. Então, para fechar com chave de ouro,
encerra-se a história com esta pérola: "A
ideia é criar uma rede de clínicas onde os médicos,
em vez de curar os doentes, ajudam a matá-los." Esta
'notícia' foi emitida no Jornal da Noite de Sábado,
13 de Janeiro de 2001, com o sugestivo título de 'Dr.
Morte'. O mesmo título com que há dias noticiavam
o caso de um médico inglês que teria assassinado
cerca de 300 doentes seus e que está a cumprir pena de
prisão perpétua. Não há paralelo
entre os casos, excepto no título da notícia. Mas
não interessa.
É curioso (e doloroso) pensar que há uns anos,
quando surgiram as televisões privadas, a RTP era apontada
como 'caixa de ressonância' do partido que estivesse no
poder, havendo a expectativa que as recém-chegadas têvês
prestariam serviços de informação alternativos,
sem estar sujeitas ao regime de vassalagem da televisão
pública ao governo. O que vemos? À excepção
da star que apresenta o noticiário, os alinhamentos, os
conteúdos, as peças são copiadas umas das
outras; com a diferença dos estilos de escrita dos redactores,
a enxurrada de lixo informativo é idêntica; a concorrência
verifica-se na maior ou menor capacidade de mobilização
de meios para chegar em primeiro lugar aonde a 'notícia'
acontece: veja-se o caso daquele pobre coitado que se barricou
numa retrete da RTP, e a quantidade de disparates que se fizeram
em directo, desde entrevistas a psicólogos ansiosos por
vir na televisão, a papaguear aquilo que a gente vê
nos filmes policiais em que há situações
de sequestro, até ao cúmulo de andarem à
caça de cidadãos chamados Subtil, como o sequestrador
de retretes, para os entrevistarem sobre o caso, na esperança
de que fossem parentes. Como se isso tivesse alguma coisa a ver...
Mas adiante. Voltando à história do 'Dr. Morte':
será apenas um episódio de prisão de ventre
intelectual do redactor/locutor?; será este tipo de discurso
paradigmático de informação independente?
De repente veio-me à memória que "Independente"
é (será?) o "I", a terceira letra da
sigla da TVI.
Última interrogação: será este discurso
um sinal que a TVI está de regresso à 'inspiração
cristã' das suas origens? É que me parece que a
igreja também é contra a eutanásia. Só
que, ao contrário da televisão, a igreja não
tem de ser independente. Tem convicções e defende-as.
É o seu direito e o seu dever. A TVI, para além
do direito de produzir lixo e ganhar dinheiro com isso, por uma
questão de coerência com o nome que ostenta deveria,
pelo menos, parecer independente.
Agora nem me dou ao trabalho de enviar emails de protesto para
lá. Simplesmente, coloquei a TVI no index lá de
casa.
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