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Tempos difíceis no
comércio tradicional
Histórias do passado,
do presente e do futuro
Como nem só de bom
nome vive o negócio, são difíceis os tempos
para o comércio tradicional. O cliente de hoje, devoto
do capitalismo e da imagem, invade as grandes superfícies
comerciais, relegando os velhos espaços à solidão
de dias vazios. Negócios de muitas décadas e gerações,
trazem consigo uma história passada de pais para filhos
e impregnada em móveis e paredes. Restam os velhos clientes,
fiéis ao sorriso de quem os trata pelo nome e pergunta
pela família e confiantes na qualidade do que ali compram
há anos. Apesar da crise, neste início de ano,
século e milénio as velhas casas da Covilhã
apostam na especialização e ainda olham em frente.
"A Sanitária", "A Moda", a "Barbearia
Teles", os"Armazéns Nevão" e a "Drogaria
Moderna" contam-nos histórias do passado, do presente
e do futuro.
Por
Catarina Moura
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A Santitária
A
manhã entra amena pela porta d'A Sanitária, iluminando
a parede onde as gavetas se prolongam infinitamente, cheias de
objectos e promessas. Do fundo surge um homem novo, que se apresenta
como filho do dono.
Começou por nos mostrar uma factura passada em nome do
Conde de Caria, que nos revela que a 12 de Fevereiro de 1919
se comprava uma fechadura por 8$50 e um guia de mão por
6$00. Sócio da firma há 20 anos, recorda uma casa
com muitos empregados, que tinha nas mais de cem fábricas
existentes na região os seus mais lucrativos clientes.
Com a falência do têxtil e o advento das novas superfícies
comerciais, resta um nome e a confiança. "O atendimento
é diferente, mais atento, a pessoa pode demorar o tempo
que quiser, pode perguntar e aconselhar-se. Isso marca a diferença."
Há quarenta anos era a maior firma das redondezas. Hoje
é uma casa antiga, de bom nome, sem grandes despesas,
que vê na especialização a receita da sobrevivência.
O nome ficou-lhe da secção de louças que
a loja possuía no andar superior. Oficialmente, é
a Casa Leão, loja de ferragens, louças e utilidades.
Na família há quase 60 anos, a firma abriu em 1860,
sendo hoje a mais antiga da Covilhã.
"Estou convencido é que, mais tarde ou mais cedo,
o negócio sairá da família. Tenho dois filhos,
um de 15 e um de 20 anos, e não vejo neles vontade ou
aptidão para permanecer nisto". |
Barbearia Teles
Mergulhada
num sépia que faz lembrar retratos do início do
século, encontramos uma sala ampla a que a escassa mobília
antiga oferece ao olhar espaço para deambular. Uma parede
de espelho reflecte as escovas, pentes, bacias, cremes, frascos,
curiosos utensílios já gastos a que um homem de
bata branca deita mão enquanto se prepara para cortar
o cabelo ao único cliente presente. E ao fundo, sentado
num sofá, José Freire Cruz observa.
Herdou a barbearia da madrinha, que lhe legou todos os seus bens
em testamento. Conhecedor do negócio desde os 11 anos,
altura em que todos os dias observava e aprendia com o padrinho,
aos 75 recusa-se a questionar o futuro. "Acho que Deus ainda
não quer nada comigo".
Apesar de alguns clientes ali passarem todos os dias, "são
poucos e o negócio está a piorar". Os cabeleireiros
"levam a malta jovem" e a maioria faz a barba em casa,
"que sempre é mais prático e mais barato".
Restam os clientes fieis e os que, esporadicamente, ali param
para cortar o cabelo. |
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A Moda
Cheira
a qualquer coisa que não identificamos logo. Olhamos em
volta e entre mil gavetas de rendas e botões e mostruários
com linhas de todas as cores descobrimos um sorriso aninhado
nas rugas que os 89 anos ofereceram a João Duarte.
A Moda, "a retrosaria mais completa da Covilhã",
é uma loja pequenina a que os vizinhos "Trezentos"
não empalideceram o charme. Diariamente, visitam-na os
clientes que, vindos de aldeias de todo o concelho, foram sendo
conquistados ao longo de pelo menos 75 anos. Porque a loja é
mais antiga. "Quando a comprei, pertencia a uma velhota
que, por sua vez, a havia comprado a outra pessoa", recorda.
Consciente dos novos tempos e dos novos clientes, aquela que
no tempo das modistas era uma "loja de modas, meias e lãs"
foi-se restringindo à retrosaria, "porque hoje o
público procura mais as casas especializadas".
Quanto ao futuro, "trespassa-se a loja a alguém que
a queira. Tenho 89 anos e os meus herdeiros não estão
interessados no negócio. Quanto a mim, já não
tenho idade para ter ilusões de estar aqui muito tempo".
Ao sair, descobrimos: cheirava a tempo. |
Armazéns Nevão
"Estamos
a atravessar uma crise terrível". Escutamos este
desabafo triste, desarmados, enquanto observamos a loja ampla,
ainda no estilo dos velhos armazéns, povoada de roupa
sem corpos, onde paira o espectro de um passado bem sucedido,
em que os Armazéns Nevão eram "expressão
máxima da Covilhã e da região".
Depois da morte do sogro, dono dos Armazéns há
mais de 50 anos, tomaram conta do negócio o seu filho
mais velho e a esposa, que nos fala resignadamente do ressentimento
da loja com o aparecimento dos grandes centros comerciais e a
ída do Hospital para longe do centro da cidade.
Embora estejam muito apegados ao negócio, os poucos clientes
que ainda frequentam a loja, "aqueles que nos conhecem e
têm confiança nos nossos artigos", não
conseguem compensar as horas vazias. "Vejo o carinho dos
velhos clientes, alguns emigrantes, que sempre que cá
vêm não se esquecem de nos fazer uma visitinha,
mas a clientela nova, porque não tem onde estacionar e
porque puxa muito mais para os hipermercados, só muito
esporadicamente é que aparece por cá". |
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Drogaria Moderna
Os
frascos transparentes de rótulos amarelados mostram pós
brancos que chamam a atenção na escuridão.
Habituados à luz da tarde que só agora começava
a despontar, o recinto escurece quando entramos. Mas, pouco a
pouco, o interior ganha forma. Está vazio. As senhoras
habituadas a comprar ali os seus chazinhos e toda a espécie
de reminiscências de um tempo que lhes pertence ainda não
chegaram. Talvez nem venham hoje.
Fundada em 1950, a Drogaria Moderna manteve-se um negócio
de família ao longo deste meio século e actualmente
é talvez a única a vender todo o tipo de produtos
característicos da drogaria antiga. "Com as grandes
superfícies temos que nos defender e especializar, o que
passa por oferecer o que eles não têm", diz-nos
João Paulo Pereira, que toma conta do negócio desde
a morte do pai. Apesar de reconhecer que o negócio está
mau, confia na clientela fiel mas quer também captar os
mais novos, "os que vão ficar". "Temos
que fazer os possíveis para manter e inovar. Estou a pensar
em informatizar o sistema, ligar-me à Internet, fazer
obras
dar a isto uma espécie de new look, old look!
O meu pai esteve aqui 50 anos e eu gostava de manter o negócio.
Pode ser que isto ainda venha a fazer 100 anos!" |
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