António Fidalgo
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Invernia
Faz lembrar o tempo de invernia que atravessamos as invernias de outrora tão
bem retratadas por Miguel Torga nos Contos da Montanha. Chuva, vento e frio
marcam a estação e condicionam os dias, obrigando a uma vida de casa, a
saídas e vindas rápidas de e para o local de trabalho e sempre de guarda
chuva na mão.
O que distingue a invernia de hoje das invernias de há 40 anos para trás é,
felizmente, a ausência de drama nas economias familiares de quem vive na
província. Invernia era nesses tempos, não tão afastados, sinónimo de
miséria nos lares de quem dependia da jorna para alimentar uma família por
vezes numerosa. Hoje as pessoas que restam nas aldeias, e que são, na
larguíssima maioria, idosos já reformados, podem ver passar os dias
fustigados a chuva, os campos de cultura alagados, sem o desespero de quem
lhe vê fugir o trabalho e o pão. Os retratos das invernias feitos por Miguel
Torga são retratos da muita miséria que então se vivia pelos campos. Nessa
altura, quem vivia nas cidades, com trabalho debaixo de telha, suportava
melhor as invernias que os camponeses.
Mudaram-se os tempos e as invernias são hoje, certamente não o drama das
personagens telúricas de Torga, mas seguramente o calvário de quem vive nas
grandes metrópoles, de quem se desloca em transportes públicos e tem de
levar e trazer os filhos às escolas, de quem encerrado nos seus carros passa
horas e horas em engarrafamentos exasperantes.
Para as cidades, e, particularizando, para Lisboa, a invernia é
chuva na nabal das barragens, no dito caso da Barragem de
Castelo de Bode, que as abastecem de água; mas não há sol que
as ilumine nas suas eiras de praças e avenidas, a não ser nos
centros comerciais que, fechados ao sol e à chuva, sem dia nem
noite, atraem os habitantes e os transformam em consumidores.
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