João Correia
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AS RUÍNAS
1. A semana revelou-se frutuosa
para os arqueólogos. Na Covilhã abundam as ruínas.
No país, caem as fundações. Apesar dos esforços
para escorar as ruínas, parece que não vai ficar
pedra sobre pedra. Houve um tempo, há muito tempo em
que para se andar na Cidade da Covilhã, bastava ser encartado
e ter algum jeito para fazer pontos de embraiagem. Hoje quem
não possuir os dotes de aventureiro semelhantes ao dos
corredores do Paris -Dakar deve abster-se de tirar o seu veículo
da garagem ou do improvável lugarzinho que tenha alcançado
nalgum dos pontos do centro da cidade. Se for pelo Pelourinho,
terá que se haver com pedras, túneis tenebrosos,
mudanças de direcção imprevistas e até
com uma fantástica visita a um conjunto de crateras lunares
que hoje engalanam o local. A paisagem e o cenário parecem
arquitectados por uma mente alucinada desejosa de fundir, num
mesmo conceito harmonioso, as ruas de Serajevo e o Porto 2001.
As lojas de comércio estão convenientemente escondidas
do olhar do público que rapidamente se raspa daquele filme
para as imediações dos Hipermercados. A altura
foi cuidadosamente escolhida a fim de proprcionar ao comércio
tradicional e aos seus utentes uma espécie de aventura
na lama antes de fazerem as suas compras de Natal.
Se o leitor é amante dos desportos radicais, não
vá fazer compras ao Modelo nem ao Monteverdo onde encontra
o conforto de lugares de estacionamento fáceis e confortáveis,
ruas e passeios planos onde é fácil andar com toda
a família e cafés onde podem sentar-se para se
aquecerem. Tudo isso, são míseros confortos burgueses
destinados a mentes pouco imaginativas, habituadas ao conforto.
Hoje um novo conceito foi lançado: o comprador radical,
o homem que vai às compras no meio da aventura. É
simples: basta ter um jeep, munido de um daqueles aparelhos informáticos
destinados a verificar quais as ruas livres de trânsito.
Depois de verificar que não há nenhuma rua livre,
o comprador radical tem à sua escolha os riscos da Avenida
da Indústria - quando é que cai aquele alcatrão
suspenso por milagre - entra pelo Jardim, sem ter por certo se
os semáforos estão ou não ligados ( é
mais uma surpresa que espera por si), desce a Rua que começa
junto à Igreja da Conceição ou a Conde da
Covilhã, arrisdcando-se a que a última tenha virado
de sentido inesperadamente e entra no Estacionamento lamacento
que fica por detrás do Tribunal de Trabalho. Finalmente,
uma vez apeado dirige-se ao Pelourinho, onde depois de passar
algumas cercas, contornar várias poças de lama,
passar por vários corredores esconsos e ficar com os bofes
pela boca, há-de chegar à sua loja favorita. É
fácil e proporciona sensações únicas.
O que é o Evereste, o Monte Branco, os Imalaias, o Deserto
de Sará quando comparado com as delícias únicas
das sensações fortes sentidas por uma automobilista
numa manhã no Pelourinho?
Os taxistas estão a pensar reconverter os seus carros
e transformá-los em todo o terreno. As lojas pensam dedicar-se
também à venda de BTTs e outros veículos
destinados a pisos difíceis.
Se não fossem os chatos dos arqueólogos, uma espécie
de merecedora de firme reprovação, a situação
poderia estar muito melhor. As obras estariam mais avançadas.
O Natal seria ainda mais animado: com mais charcas, mais poças
de lenha, mais sentidos proibidos e ruas atranvancadas, mais
passeios interditos e mais trajectos alternativos. Tudo seria
mais divertido. Parece, pois, que felizmente, caso se consiga
correr com os arqueólogos, iremos consigar piorar, perdão,
melhorar a coisa e dar origem a uma bagunça ainda mais
alucinante. A única pena que tolhe o coraçãozinho
apertado dos aopiantes desta obra digna de Pombal e Melo é
que um dia poeira terá que assentar, a lama há-de
desaparecer e tudo voltará à pacóvia normalidade.
Pior ainda: isso poderá acontecer já depois das
eleições autárquicas.
Por isso se compreende o grande desabafo que se fentir a passada
semana pela voz de quem arquitectou as dantescas crateras do
Centro Cívico, : Xô, arqueólogos, xô.
Deixem-nos abrir buracos em paz.
2.As obras do Pelourinho são
um buraco só comparável à recente crise
política. Há uma cratera de credibilidade aberta
na opinião pública. Não adianta saber que
todos os Governos recorreram a Fundações privadas
que utilizaram dinheiros públicos para levarem por diante
fins colectivos. Não adianta defender a honorabilidade
pessoal dos membros do Governo, dos quais todos dizem que são
pessoas estimáveis, sem receio de que lhe seja apontada
uma grama de desonestidade. O problema está mais alto,
ou se quiserem , mais fundo e mina as fundações
(sem trocadilhos) nos quais se suporta a Governação
de Centro. O centro é sempre um risco onde convergem muitos
interesses e poucas ideias.
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