José Geraldes
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Ensino: a liberdade vigiada
Desde o Marquês de Pombal,
com a expulsão dos Jesuítas, o Estado português
mantém uma tendência monopolista na questão
do ensino. Ciclicamente emergem actos administrativos a afirmar
esta vontade de domínio da educação.
A I República não fugiu à regra. O Estado
Novo fez tudo o que pôde para controlar o ensino.
O regime democrático instaurado após o 25 de Abril
continuou a tradição. A Constituição
de 1976 consagra o ensino oficial mas não a liberdade
do privado. Três anos depois a aprovação
da Lei das Bases do Ensino Particular e Cooperativo, em contradição
com a própria Constituição, concede finalmente
foro de cidade à escola privada. A revisão constitucional
de 1982 oficializa esta lei.
D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto, sublinhou,
com justeza, o estatismo educacional português: "Uma
das maiores desgraças da nossa Pátria - poderíamos
talvez afoitamente dizer, a maior desgraça da nossa Pátria
- é que o Estado considerou função sua a
instrução e a educação (...) e a
Nação deixou-se convencer... A coisa começou
pela Universidade e vai avançando pelos diversos escalões,
conforme estes assumem interesse político".
Ora já com a actual maioria partidária no Governo
a tendência estatizante volta de novo em força.
A chamada Lei 26/2000, dita do ordenamento do ensino superior,
publicada em Agosto passado, é um travão para o
ensino particular. Leia-se o que diz a Lei: "As carências
do serviço público de educação em
áreas de formação consideradas prioritárias
para o País podem, enquanto subsistirem, ser supridas
por contratos-programa por tempo determinado(...)". Quantos
aos alunos que não tiverem lugar no ensino oficial, a
Lei prevê apoios directos. Ou seja, o Estado tem a vocação
de monopolizar toda a educação.
Este princípio viola as consciências. E tratados
internacionais ratificados pelo Governo português. A Resolução
do Parlamento Europeu sobre a Liberdade de Ensino na União
Europeia, de 14 de Março de 1984, declara expressamente:
"O direito à liberdade de ensino implica, para os
Estados membros, a obrigação de tornar possível,
também no plano financeiro, o exercício prático
deste direito e de conceder às escolas privadas as subvenções
públicas necessárias ao exercício da sua
missão e ao preenchimento das suas obrigações
em condições iguais àquelas de que beneficiam
os estabelecimentos públicos correspondentes, sem discriminação
a respeito dos organizadores (das escolas) dos pais, dos alunos,
do pessoal".
A Declaração Universal dos Direitos do Homem e
o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais
e Culturais contêm os mesmos princípios de igualdade
do ensino privado e do ensino público.
O Estado, em Portugal, continua a reservar ao ensino particular
um lugar supletivo, o que é injusto e vai contra as bases
do próprio regime democrático. As famílias
têm o direito de escolher o tipo de ensino que desejam
para os seus filhos. Para isso, pagam impostos que devem ser
bem geridos e não usados ao serviço de uma ideologia
estatizante.
Além disso, a liberdade de escolha decorre da igualdade
de todos os cidadãos perante a Lei. Com os mesmos benefícios.
Com efeito, o Estado, à semelhança de Esparta,
não é dono da pessoa humana. Daí a obrigação
de voltar atrás e repor a liberdade, em termos de justiça,
para o ensino privado.
Perante tal direito, não há construções
jurídicas ou teorias políticas que justifiquem
o monopólio da educação. É de admirar
que António Guterres, que um dia teve a "paixão
da educação", deixe cometer estes atropelos
que põem em causa a liberdade das famílias. Aguarda-se
a necessária correcção.
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