José Tavares

 

 

 

 


Uma Moeda, Dois Futuros para a Europa: Federalismo ou Liberalismo

O Euro viu a sua cotação contra o dólar cair progressivamente, desde o seu valor psicologicamente acima do dólar até valer hoje muito menos que a moeda americana. Esta união monetária é mesmo uma experiência única: a partilha de uma moeda por onze países, sem instituições fiscais verdadeiramente comuns não tem paralelo na história das nações. A outra grande união monetária, os Estados Unidos da América, sempre assegurou a sua estabilidade pela intensidade do comércio inter-estadual, a flexibilidade do mercado de trabalho e mobilidade dos seus trabalhadores bem como, last but not least, o sistema fiscal federal. Em 1999 a Europa partilha com a experiência americana apenas os altos níveis de comércio.
Alguns comentadores vêem o Euro como o prenúncio de uma Europa mais federalista, com novas políticas comuns, da defesa aos negócios estrangeiros. E outros, como um erro estratégico irreversível, que compromete a integração europeia pela descoordenação entre economias tão distintas, do sul ao norte europeus. A resposta da teoria económica é felizmente diferente. A união monetária não trará mudanças radicais ao funcionamento das economias. Mas a própria ciência económica sugere que as consequências políticas são incontornáveis: os europeus serão obrigados a escolher entre dois futuros, federalismo ou liberalismo.
Pensarão alguns: tudo isto pelo abandono de um preço, a taxa de câmbio? Veja-se como. Se um país sofre uma quebra na procura dirigida aos seus produtos de exportação, a queda da taxa de câmbio mitiga efeitos negativos sobre a produção e o emprego locais. A desvalorização fomenta a procura de bens locais, à custa da procura de bens de outros países. Uma união monetária corresponde ao abandono deste instrumento de política macroeconómica, a taxa de câmbio. As consequências para as economias da união dependem da estrutura e funcionamento dessas economias em concreto. Se os preços se ajustam livre e imediatamente, a união monetária e o abandono da taxa de câmbio são arranjos inconsequentes. É que, com mercados flexíveis, preços, salários e emprego constituem resposta suficiente a quedas temporárias da procura. Os choques reais são acomodados e a taxa de câmbio torna-se um instrumento dispensável. Por outras palavras, preços e salários flexíveis, mobilidade de trabalhadores e flutuação das taxas de câmbio nominais são substitutos na resposta ao desemprego localizado e temporário. Estes ajustamentos a choques reais são ainda mais fáceis quando as economias da união trocam um grande volume e diversidade de bens.
De regresso à Europa, os economistas têm boas e más notícias. As más são que os mercados laborais europeus são pouco flexíveis e as economias europeias menos integradas do que os estados americanos, a outra grande área monetária. Além de comercializarem menos entre si, os países europeus patenteiam níveis de mobilidade laboral bastante inferiores aos dos EUA. Cada ano, três por cento dos americanos muda de residência entre estado, enquanto apenas um por cento de alemães mudam entre os vários Länder ou britânicos entre a Inglaterra e o País de Gales. Os níveis de mobilidade entre países são mais baixos ainda, quase insignificantes. Não é previsível, dadas as diferenças linguísticas e culturais, bem como os rígidos mercados de educação e habitação, que esta situação mude no futuro.
Mas há também boas notícias: a integração europeia aumenta os fluxos de comércio entre países europeus. Entre a entrada de Portugal e Espanha na então Comunidade Europeia em 1995, o peso das importações intra-europeias de manufacturas no total de importações europeias de manufacturas subiu de 61 para 68 por cento do total. Para lá do mero volume de comércio, a integração horizontal e vertical das empresas europeias leva a que um maior volume de trocas comerciais seja em produtos similares ou que fazem parte da mesma cadeia de produção. Um estudo da Comissão Europeia revela que, entre 1980 e 1994, o peso do comércio europeu de bens similares ou verticalmente integrados subiu de 35 para 42 por cento do total. Portugal viu essa percentagem subir de 8.6 por cento, entre os números da Espanha (12) e o marasmo grego (0.2). Não é por isso de estranhar que os ciclos económicos europeus se tornem cada vez mais sincronizados. Hoje, as economias da Itália do norte e da Alemanha do sul estão em quase perfeita sintonia fazendo parte, "estatisticamente", de uma mesma economia. Em suma, os países europeus envolvem-se cada vez mais entre si.
Mas enquanto as economias europeias se caracterizarem por mercados pouco flexíveis, pouca mobilidade laboral e relativamente baixa correlação nos ciclos económicos, o Banco Central Europeu terá escolhas difíceis pela frente. E em face de uma recessão no sul da Europa que coincida com um boom no norte, o Banco Central Europeu terá de optar entre manter uma estrita disciplina monetária que esqueça o custo social do desemprego localizado ou combater esse desemprego no sul à custa de inflacção em todo o continente. Este conflito é inevitável. A dúvida é apenas qual será resposta "europeia". A mais difícil é a flexibilização dos mercados, a promoção do treino e mobilidade laboral, chamemos-lhe a opção pelo liberalismo. A experiência dos EUA mostra que mercados flexíveis são mercados de baixo nível médio de desemprego, mesmo que à custa de dolorosas flutuações no curto prazo. E mercados flexíveis são o fundamento do crescimento económico necessário para ultrapassar o desemprego estrutural, o inimigo número um da integração europeia.
Uma segunda resposta é aumentar a componente europeia na política fiscal, chamemos-lhe federalismo. Naqueloutra união monetária, o governo dos EUA utiliza o poder de um orçamento em comum para apoiar estados em recessão temporária. O orçamento federal implica a natural queda dos impostos cobrados do estado em crise, ao mesmo tempo que aumentam as transferências públicas para o mesmo estado. Este mecanismo é eficaz e actua enquanto a crise dura. Os estados em boom "subsidiam" aqueles em recessão e o "contrato implícito" implica um subsídio inverso quando aos booms de hoje se seguirem as recessões de amanhã. De forma mais prosaica, "os estados federados são para as ocasiões". Nada mais que um seguro entre unidades económicas através do orçamento federal. Em contraste, o orçamento europeu é insignificante face aos orçamentos nacionais e por isso surgem e surgirão vozes a favor de maior "solidariedade fiscal" na Europa. Resta saber se o federalismo fiscal não é apenas a forma mais fácil de responder a um problema político sem enfrentar as insuficiências económicas que lhe estão por detrás.
Federalismo ou liberalismo, flexibilização dos mercados ou maior integração: eis a questão europeia. A união monetária não nos indica qual a melhor escolha, apenas tornará incontornável a necessidade de escolher. Preocupante é observar como os líderes europeus não estão ainda conscientes de que a União Monetária Europeia não foi um fim. Apenas o princípio de uma escolha entre dois futuros.

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