João Correia
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TEMPESTADES
Aproxima-se o fim do ano, afinal
o fim do século. Graças à omissão
do zero, ficamos dependurados em contagens mil, e andamos para
a afrente e para trás a tentar saber quando é que
chegava o século XXI. Afinal, o século acaba dentro
de três semanas. Antecipando o fim do mundo, o maravilhoso
emerge com a multiplicação de tempestades, aparições,
convulsões e fenómenos inacreditáveis. Um
bom exemplo deste clima fantástico, quase fantasmagórico
é a vida política portuguesa, onde se sucedem os
milagres, aparições, encantamentos e visitações.
É uma atmosfera irreal onde os ministros caem como tordos
para ressucitarem em poucas horas, enquanto a oposição
continua a ter dificuldade em se afirmar como algo que não
é um zoombie e está vivo.
1. Desde logo, há um intenso aroma a fim de ciclo que
se insinua na vida política portuguesa. Enquanto a oposição
tenta responder à questão pertinente de saber se
tem ou não um líder, a maioria parece precipitar-se
numa estranha vertigem em direcção ao abismo. Ondas
fragosas e ventos tormentosos dobram varas e abanam fundações.
Não há memória de tempestade igual na legislatura:
o Ministro da Justiça ameaça que sai. O Secretário
de Estado dos Assuntos Fiscais sai mesmo. O Ministro da Juventude
e Desporto talvez saia. Os Ministros restantes parecem gostar
que o Ministro das Finanças também saísse.
O Governador Civil de Bragança foi decapitado ou convidado
a decapitar-se. A embarcação outrora orgulhosa
de si mete água, enquanto a tripulação já
não disfarça o mal estar e uma indisfarçável
vocação para aceitar que está aberta vacatura
para o lugar de comandante. O homem do leme espreita nos rochedos
de Nice as lonjuras europeias e parrece alheio aoos destinos
da sua barca.
E é aqui que reside o enigma: como explicar o alheamento
e a estranha apatia que parece tolher o Primeiro Ministro. Será
o mesmo mal que levou um dia Cavaco Silva a desabafar que estava
farto do PSD?
Ao mesmo tempo, que dimui a estima pela liderançda da
vida pública portuguesa, paradoxalmente, não parece
aumentar a estima pela solução que se oferece como
alternativa. O líder do reviralho a quem competia meter-nos
pelos olhos dentro as maleitas da governação, continua
aredio da estima e da compaixão dos seus compatriotas
mais facilmente atraídos pela guedelha voluntariosa de
Santana do que pela obstinação persistente de Durão.
E a direita continua fascinada pela retórica e pela estética
às riscas do endiabrado dirigente popular, que continua
a negar, nas sondagens, uma liderança indiscutível
e indisputada da oposição. O páis vive assim
bloqueado entre um Governo que não cai e uma oposição
que não sobe.
Para adensar este clima de contornos indefenidos, que assenta
que nem uma luva à trasição de século,
PCP já não é bem o que era, e corre, encerrado
numa indisfraçável crise de autoridade mal contida
pelas intervenções, longínquas mas decisivas,
do seu líder histórico. Há ali uma espécie
de nostalgia prolongada transformada numa insistente apegoa a
um passado que para muitos, é ainda o futuro.
Ffinalemente, Benfica e Sporting contribuem com as suas pequenas
mas barulhenteas crises para este ambiente simultaneamente soturno
e frenético, onde o viva e o morra, o acima e o abaixo,
o direito e o avesso convivem numa amalgama de confusões
e de sarilhos.
3. Finalmente, numa espécie
de insólita peculiaridade da política local, a
agenda covilhanense continua a construir-se na disputa entre
covilhanenses verdadeiros e covilhanenses de segunda. Ninguém
percebe como começou esta conversa que aqui e ali toma
laivos de polémica. Para alguns, os verdadeiros covilhanenses
teriam as seguintes características: amaldiçoariam,
todos os dias, pelo menos três vezes, a Associação
de Municípios da Cova da Beira. Chamariam ao Hospital,
Pêro da Covilhã, insistindo em que o nome é
uma verdadeira questão política de primeira água.
Amaldiçoariam as cidades vizinhas, de Castelo Branco e
da Guarda, por gozarem de serviços que, por direito, deveriam
pertencer à Covilhã. Lançariam pedras sobre
os promotores da Empresa Àguas do Coa e defenderiam, com
unhas e dentes, o direito de terem uma lixeira só nossa
e de mais ninguém. Olhariam de soslaio a Universidade
por fomentar uma cultura que não se compadece com a palavra
de ordem desrtinada ao comício. Finalmente, louvariam
a grande obra, fechando os olhos ao erro e, sobretudo, ao "caos
urbanístico", expressão triste cunhada por
inimigos da cidade para lançar a lama sobre o harmoniosos
desenvolvimento que ladeia o Eixo T-C-T. Constituiu-se deste
modo, uma pseudo-agenda política feita de algum desvario
populista, entremeada com bairrismo inócuo, misturada
com mentalidade de barricada. De um lado, os puros, os covilhanenses,
os inocentes, seguidores fiéis e sem quartel do surto
de desenvolvimento que assola a cidade. Do outro lado lado, os
mouros, os impuros, os infiéis, a quinta coluna que insiste
em incendiar consciências e lançar o pânico
e a dúvida sobre o sagrado exército dos covilhanenses.
Todos os que conferem direito de crítica à Universidade,
não gostam das obras do Pelourinho, e entendem que o percurso
urbanístico do Eixo-T-C-T foi uma oportunidade perdida
de se lançar uma cidade mais harmoniosa, ou são
potenciais vendidos a interesses extra-covilhaneneses (servidores
submissos de Gauarda e de Castelo Branco) ou militam nas hostes
negras da cáfila oposicionista. No máximo são
covilhaneneses não praticantes.
Ora, esta conversa não leva a lado nenhum.
Faz parte do património desta cidade, uma intensa cultura
de cidadania. A mesma supõe que as decisões de
todos os poderes são questionáveis e merecedoras
de livre exame. O actual Presidente da Câmara tem obra
feita e seria rídiculo e pouco inteligente, ignorar este
facto. Porém, o isolacionismo e o complexo de cerco são
uma forma de infra-cultura política com que se pretende,
apenas, silenciar a discordãncia. |