O cidadão covilhanense
tem um poder de compra quatro vezes inferior ao de Lisboa e três
vezes inferior ao do Porto. Isto não quer necessariamente
dizer que, enquanto um beirão pode comprar um saco de
arroz, um lisboeta pode comprar quatro, mas deixa antever uma
discrepância abismal entre os regimes salariais da capital
e do resto do País. Esta é uma das conclusões
de um estudo sobre o poder de compra concelhio para o ano 2000
elaborado por Pedro Nogueira Ramos, técnico do Instituto
Nacional de Estatística (INE).
Com efeito, e apesar de ter subido no ranking concelhio (ver
caixa), o poder de compra da Covilhã, bem como de toda
a Cova da Beira, mantém-se longe da média nacional
e ainda mais distante dos índices das cidades de toda
a zona Litoral. Um "fosso" que Luís Lourenço,
director do Departamento de Gestão e Economia da Universidade
da Beira Interior (UBI), afirma ser "indesejável,
mas natural". "Indesejável porque o ideal seria
uma maior igualdade na repartição da riqueza pelo
território. Natural porque é em Lisboa que se concentram,
para além de todo o aparelho de Estado, que envolve ministros,
deputados e secretários, os quadros superiores das grandes
empresas nacionais", explica.
Os valores revelados pelo estudo não deixam de ser uma
média estatística. E se é verdade que na
capital portuguesa o poder de compra é três vezes
maior que média nacional, também não é
mentira que o custo de vida é superior. No entanto, continua
Lourenço, "os índices da Covilhã e
da restante Cova da Beira, tão inferiores à média
nacional, não deixam de reflectir um índice salarial
muito baixo na região que significa que, comparativamente
a outras zonas, as pessoas podem comprar menos".
Tendência é
para melhorar
Luís Lourenço acredita que o actual índice
da região tem repercussões ao nível do próprio
desenvolvimento económico: "Mais poder de compra
significa mais procura e uma maior dinamização
das actividades comerciais. O aumento das taxas de juros sobre
os empréstimos bancários e daquelas despesas às
quais as famílias não podem fugir, diminui essa
capacidade de aquisição. É evidente que
existe um conjunto de actividades económicas que se vai
ressentir". Em relação a 1997, convém
dizer que há uma evolução, mas, na opinião
do director universitário, "esse aumento não
é tão significativo que se possa dizer que o poder
de compra tenha aumentado".
Mais optimista é Sérgio Magalhães, do departamento
de Gestão de Pequenas Empresas no Banco Espírito
Santo. O gestor acredita que, "apesar de pequena, a evolução
da Covilhã é positiva", e que a tendência
é para melhorar e aproximar-se da média nacional.
Magalhães prefere abordar a questão pelo ângulo
da oferta e refere um extenso rol de empresas que se têm
fixado na cidade para, diz, " fornecer serviços que,
até há bem pouco tempo, não fariam sentido".
A expansão da indústria imobiliária e da
restauração são, para o gestor, "indicadores
de que a cidade apresenta, hoje, argumentos que convencem os
investidores de fora".
O próprio Centro Hospitalar, acredita, "vai fixar,
num quadro óptimo, um conjunto de médicos com salários
acima da média. Especialistas em várias áreas,
com outras necessidades de consumo, que vão ajudar a dinamizar
a estrutura comercial da região e formar uma classe média
que hoje não existe".
"Cova da Beira não
tem classe média"
A falta de uma classe média com hábitos de compra,
para já, inexistentes, é uma das principais causas
apontadas pelo gestor para o fraco índice apresentado
pelos beirões. Um problema também reconhecido por
Miguel Bernardo, vice-presidente da Associação
Empresarial da Covilhã, Belmonte e Penamacor (AECBP):
"Tem sido parte do nosso trabalho a tentativa de criar na
Cova da Beira serviços de classe média-alta, que
são os que podem interferir no poder de compra e no sucesso
de toda a actividade empresarial". O responsável
da AECBP mostra-se mais cauteloso em relação aos
índices apresentados no estudo do INE e teme que a realidade
possa ser pior ainda. "Estamos a falar de médias,
que são resultados muito falaciosos e que podem não
reflectir a cem por cento aquilo que constatamos no terreno",
sublinha.
Para o dirigente, o que não se pode ignorar é o
grande fosso que separa as cidades situadas na zona Litoral e
as do Interior: "Seria lógico que, num País
tão pequeno, onde o conceito de Interior/Litoral não
faz muito sentido, quando comparado com outros países
da Europa, não houvesse tantas assimetrias. Mas elas existem,
mesmo entre cidades vizinhas". Miguel Bernardo aponta, a
este respeito, a preferência da indústria pelas
capitais de distrito, "quando o que deveria haver era uma
distribuição mais justa por todas as cidades de
uma região". A componente salarial, que é
mais alta quer em Lisboa, quer nas capitais de distrito, é,
na opinião do vice da AECBP, o principal factor por detrás
dos indicadores deste estudo a nível de regiões.
Um trabalho que, sublinha, "apesar de meramente estatístico
e, portanto, passível de alguns erros, não deixa
de ser um indicador daquilo que é a realidade salarial
em Portugal".
Quando cruzado com um estudo sobre o "crédito per
capita a nível de concelhos", os resultados continuam
a surpreender. O cidadão lisboeta lidera o pelotão
dos concelhos mais endividados com quase sete mil e 30 escudos
de empréstimo por pagar, contra apenas dois mil e setecentos
depositados na banca. Uma diferença entre crédito
e débito oposta, por exemplo, à da Beira Interior
que, por cada 580 escudos de empréstimo, deposita quase
mil e 500. E, como observa Nogueira Ramos, autor do estudo, "embora
o processo redistributivo da poupança entre regiões
não deva, entre si, ser causa de assimetrias regionais,
ele é certamente um reflexo de oportunidades diferenciadas". |