Estudo sobre o poder de compra concelhio
Fosso mantém Interior longe do Litoral

O poder de compra da Cova da Beira mantém-se longe da média nacional. Os especialistas apontam a política de centralidade de serviços como principal causa para o fosso entre Interior e Litoral. Fica o aviso: "é preciso apertar o cinto".

 Por Alexandre S. Silva
*NC/Urbi et Orbi

Os beirões têm de se conter nas compras, quando comparados com lisboetas e portuenses

O cidadão covilhanense tem um poder de compra quatro vezes inferior ao de Lisboa e três vezes inferior ao do Porto. Isto não quer necessariamente dizer que, enquanto um beirão pode comprar um saco de arroz, um lisboeta pode comprar quatro, mas deixa antever uma discrepância abismal entre os regimes salariais da capital e do resto do País. Esta é uma das conclusões de um estudo sobre o poder de compra concelhio para o ano 2000 elaborado por Pedro Nogueira Ramos, técnico do Instituto Nacional de Estatística (INE).
Com efeito, e apesar de ter subido no ranking concelhio (ver caixa), o poder de compra da Covilhã, bem como de toda a Cova da Beira, mantém-se longe da média nacional e ainda mais distante dos índices das cidades de toda a zona Litoral. Um "fosso" que Luís Lourenço, director do Departamento de Gestão e Economia da Universidade da Beira Interior (UBI), afirma ser "indesejável, mas natural". "Indesejável porque o ideal seria uma maior igualdade na repartição da riqueza pelo território. Natural porque é em Lisboa que se concentram, para além de todo o aparelho de Estado, que envolve ministros, deputados e secretários, os quadros superiores das grandes empresas nacionais", explica.
Os valores revelados pelo estudo não deixam de ser uma média estatística. E se é verdade que na capital portuguesa o poder de compra é três vezes maior que média nacional, também não é mentira que o custo de vida é superior. No entanto, continua Lourenço, "os índices da Covilhã e da restante Cova da Beira, tão inferiores à média nacional, não deixam de reflectir um índice salarial muito baixo na região que significa que, comparativamente a outras zonas, as pessoas podem comprar menos".

Tendência é para melhorar

Luís Lourenço acredita que o actual índice da região tem repercussões ao nível do próprio desenvolvimento económico: "Mais poder de compra significa mais procura e uma maior dinamização das actividades comerciais. O aumento das taxas de juros sobre os empréstimos bancários e daquelas despesas às quais as famílias não podem fugir, diminui essa capacidade de aquisição. É evidente que existe um conjunto de actividades económicas que se vai ressentir". Em relação a 1997, convém dizer que há uma evolução, mas, na opinião do director universitário, "esse aumento não é tão significativo que se possa dizer que o poder de compra tenha aumentado".
Mais optimista é Sérgio Magalhães, do departamento de Gestão de Pequenas Empresas no Banco Espírito Santo. O gestor acredita que, "apesar de pequena, a evolução da Covilhã é positiva", e que a tendência é para melhorar e aproximar-se da média nacional. Magalhães prefere abordar a questão pelo ângulo da oferta e refere um extenso rol de empresas que se têm fixado na cidade para, diz, " fornecer serviços que, até há bem pouco tempo, não fariam sentido". A expansão da indústria imobiliária e da restauração são, para o gestor, "indicadores de que a cidade apresenta, hoje, argumentos que convencem os investidores de fora".
O próprio Centro Hospitalar, acredita, "vai fixar, num quadro óptimo, um conjunto de médicos com salários acima da média. Especialistas em várias áreas, com outras necessidades de consumo, que vão ajudar a dinamizar a estrutura comercial da região e formar uma classe média que hoje não existe".

"Cova da Beira não tem classe média"

A falta de uma classe média com hábitos de compra, para já, inexistentes, é uma das principais causas apontadas pelo gestor para o fraco índice apresentado pelos beirões. Um problema também reconhecido por Miguel Bernardo, vice-presidente da Associação Empresarial da Covilhã, Belmonte e Penamacor (AECBP): "Tem sido parte do nosso trabalho a tentativa de criar na Cova da Beira serviços de classe média-alta, que são os que podem interferir no poder de compra e no sucesso de toda a actividade empresarial". O responsável da AECBP mostra-se mais cauteloso em relação aos índices apresentados no estudo do INE e teme que a realidade possa ser pior ainda. "Estamos a falar de médias, que são resultados muito falaciosos e que podem não reflectir a cem por cento aquilo que constatamos no terreno", sublinha.
Para o dirigente, o que não se pode ignorar é o grande fosso que separa as cidades situadas na zona Litoral e as do Interior: "Seria lógico que, num País tão pequeno, onde o conceito de Interior/Litoral não faz muito sentido, quando comparado com outros países da Europa, não houvesse tantas assimetrias. Mas elas existem, mesmo entre cidades vizinhas". Miguel Bernardo aponta, a este respeito, a preferência da indústria pelas capitais de distrito, "quando o que deveria haver era uma distribuição mais justa por todas as cidades de uma região". A componente salarial, que é mais alta quer em Lisboa, quer nas capitais de distrito, é, na opinião do vice da AECBP, o principal factor por detrás dos indicadores deste estudo a nível de regiões. Um trabalho que, sublinha, "apesar de meramente estatístico e, portanto, passível de alguns erros, não deixa de ser um indicador daquilo que é a realidade salarial em Portugal".
Quando cruzado com um estudo sobre o "crédito per capita a nível de concelhos", os resultados continuam a surpreender. O cidadão lisboeta lidera o pelotão dos concelhos mais endividados com quase sete mil e 30 escudos de empréstimo por pagar, contra apenas dois mil e setecentos depositados na banca. Uma diferença entre crédito e débito oposta, por exemplo, à da Beira Interior que, por cada 580 escudos de empréstimo, deposita quase mil e 500. E, como observa Nogueira Ramos, autor do estudo, "embora o processo redistributivo da poupança entre regiões não deva, entre si, ser causa de assimetrias regionais, ele é certamente um reflexo de oportunidades diferenciadas".

  

Belmonte e Penamacor dão salto de gigante

Apesar de ter diminuído em relação a 1997, o índice de poder de compra em Lisboa é o triplo da média nacional. Um reflexo, defendem os especialistas, da concentração geográfica de serviços e postos de decisão na capital do País. O Porto segue na segunda posição com o dobro do valor de referência e, na região Centro, Coimbra, com um índice de quase 137, apresenta-se como a cidade que, por indivíduo, mais pode gastar.
No Centro Interior, o destaque vai para a ultrapassagem da Guarda a Castelo Branco. Uma situação que se deve, sobretudo, à não existência de uma cidade no distrito guardense que faça de contrapeso à predominância da capital. No distrito de albicastrense as coisas são diferentes. A Covilhã, principalmente, e o Fundão, apesar de ter descido na tabela, começam também a cativar investimentos e a competir com o centro do distrito por um "lugar ao Sol". Dignas de registo são também as subidas percentuais de Belmonte e Penamacor, que permitiram um salto na tabela de 20 e 19 posições, respectivamente. A Covilhã tem um aumento de quase seis pontos percentuais e reduz para metade a distância que, em 1997, a separava, no ranking nacional de Castelo Branco.
Este é o quarto estudo sobre o poder de compra concelhio elaborado pelo INE. É também aquele que recorreu a um maior número de variáveis (18) e dados mais actualizados (1998). Os indicadores de poder de compra representados neste trabalho (que aqui se publica parcialmente), apesar de não representarem de forma exacta o rendimento ou consumo dos portugueses, permitem comparar a disponibilidade de aquisição nos vários concelhos e regiões com o valor de referência nacional (igual a 100 para facilitar a consulta do estudo).

 

  

Reacções: O beirão tem de "apertar o cinto" no Natal?

Luís Lourenço
Director do Departamento de Gestão e Economia - UBI

"As taxas de juro sobre os empréstimos à banca são um dos problemas que mais pode condicionar o poder de compra do público em geral. Esperemos que o ciclo de aumento dessas taxas tenha terminado. Mas embora haja casos em que as dificuldades sejam menores, ninguém tenha dúvidas que estamos numa situação de "apertar o cinto".
Não direi que há razões para alarme, mas as pessoas têm de começar a preocupar-se em fazer contas àquilo que vão gastar numa época de consumo desenfreado como a que se aproxima".

 

Sérgio Magalhães
Gestor - Banco Espírito Santo

"É evidente que há um número de pessoas que está, ou vai passar por dificuldades. O pequeno comércio atravessa uma fase de reconhecida crise, mas as perspectivas, apesar de tudo, estão a melhorar. A capacidade de consumo, embora se encontre abaixo da média, tem vindo a aumentar e isso vê-se pelo número de instituições bancárias que nos últimos tempos se instalaram na cidade e na região.
A Covilhã está a tornar-se numa urbe e num centro de investimentos imobiliários e industriais que vão dinamizar toda a estrutura económica da região".

 

Miguel Bernardo
Vice-presidente - AECBP

"Aquilo que nos chega na auscultação dos estabelecimentos comerciais é de que há menos procura. O aumento das taxas de juro, o endividamento devido à compra da casa ou do automóvel e todo um conjunto de despesas que a família assume, não deixam um grande espaço em termos de disponibilidade e capacidade de aquisição. As percas são previsíveis, mas estamos esperançados numa melhoria, até porque a qualidade do comércio tradicional aumentou.
As pessoas vão ter que dar prendas. Isso é uma certeza. Mas vão deixar de oferecer presentes de mil escudos para passar aos de 900".

 

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