Paulo Moniz

 

 

 

 


A UBI e as Sombras de Platão

Este texto é um manifesto. Antes de prosseguir, gostaria de deixar claro que não pretendo atingir ou melindrar ninguém. Em particular, tenho a maior estima e admiração pelo infinito empenho e dedicação que o Magnifico Reitor da UBI tem demonstrado nas suas responsabilidades. E o mesmo se aplica a alguns colegas, docentes e funcionários da UBI.

No momento em que a última obra de J. Saramago "A Caverna" surge nas livrarias, venho propor um exercicio de análise crítica acerca da situação díficil que as Universidades públicas Portuguesas (e muito em particular a UBI) atravessam. No entanto, é uma análise em lateral thinking, ao género de um programa na BBC2 onde se questiona por exemplo qual é o traço comum entre a M. Thatcher, a Duquesa de York, a Elizabeth Hurley (modelo/actriz(?)) e um "badger" (espécie de texugo comum no Reino Unido). Ou o que é melhor: um pássaro na mão ou dois a voar? As possíveis respostas são sempre originais, provocantes e tudo menos óbvias.

O exercicio que proponho é relacionar determinados conteúdos presentes na obra A Républica (escrita por Platão) e numa conjectura recente (designada de AdS/CFT) sobre uma perspectiva humana do Universo, junto com a situação corrente da UBI e como as paragens de uns animais farfalhudos - os "ram" - podem ser tão relevantes. Mas será que há alguma relação, dirá um leitor ou leitora? Fará algum sentido tentar relacionar o que não tem aparentemente qualquer conexão? Faz sim!

Quanto a Platão, este relata no seu livro A Républica a bem conhecida Alegoria da Caverna. Nela, seres humanos são prisioneiros numa caverna escura (bem, quase todas são) onde estão agrilhoados e apenas podem olhar em frente e ver o movimento de sombras projectadas na parede. A realidade de que se apercebem são apenas essas sombras, nada sabem de si e dos outros. Sucede então que alguns desses seres humanos escapam das amarras e saiem da caverna. Mas regressam para contar aos outros que permaneceram prisioneiros o que é o mundo exterior, o Universo, a vida. Só que os prisioneiros desprezam tais relatos, acusando os colegas "livres" como sendo loucos e mentirosos. Como pode a realidade ser tão complexa quando o que a sua experiência mostra são sómente as sombras que se movem e existem nas paredes da caverna?

Falemos agora da conjectura AdS/CFT. E gentes da Quimica não, não é CFC, os tais clorofuorcarbonetos responsáveis por inúmeras conferências sobre o futuro do clima e o mercado de acções em guarda-chuvas.com. AdS/CFT significa Anti-de-Sitter/Conformal Field Theory (Teoria de Campo Conformal). Vamos então explicar. O prémio Nobel da Física de 1999 (G. t'Hooft da Universidade de Utrecht) sugeriu em 1993 que os ultimos desenvolvimentos sobre a Origem do Universo (i.e., onde se tenta conciliar Relatividade Geral e Teoria Quântica de Campos com recurso a objectos fascinates como supercordas) posuiam uma curiosa analogia Platónica: o nosso Universo quadri-dimensional mais não seria que uma solução geométrica e projectada de uma realidade última a onze (!) dimensões. O nosso horizonte humano da realidade mais não seria que … "sombras" dessa natureza. O bom velho Platão deve ter dado uns bons "Hurrah" lá do Olimpo: a nossa vivência humana diária será, em termos cientificos e não apenas literários, uma projecção ou … uma sombra!

 

NB para a intelligentsia UBI-Covilhanense: nesta Universidade também se discute e investiga soluções cosmológicas em teoria de supercordas, consistentes com a conjectura AdS/CFT. Mas chega de imodéstia.

E os "ram", o que é isso? Bem, os feiticeiros da Informática da UBI que se acalmem, pois não é o que pensam. Um "ram" é uma espécie de … carneiro bem aguerrido, muito farfalhudo e com muito boa lã (!), que vive lá para as bandas do Pais de Gales. Não convém aproximar muito pois o animal investe sobre humanos incautos em busca da usual fotografia de recordação (os melhores clientes em Ortopedia são os ingénuos turistas japoneses). Mas o meu objectivo não são tanto os ditos carneiros mas uma Universidade para essas paragens: a Universidade de Bristol. Os leitores e as leitoras tenham calma. Comecemos por referir que no ranking das melhores Universidades Inglesas (e que estão entre as melhores do mundo) temos invariavelmente Oxford e Cambridge a disputar os lugares cimeiros. No entanto, ausente entre as 10 primeiras em 1996, estando em 8º em 1998, mas progressivamente ganhando projecção, surgiu em 4º lugar no ano 2000 a Universidade de … Bristol. Talvez um leitor atento já tenha entendido onde estou a apontar. Ou talvez não. Eu ajudo. Como é que Bristol surge nessa posição, melhor que Londres (UCL e LSE), Bath, York, Durham, Warwick ou outras? Em algumas palavras, contrataram-se docentes e investigadores de nivel mundial, criaram-se equipas de investigação por recomendação destes, definiram-se estratégias departamentais (promovendo linhas e abandonando outras!), implementaram-se excelentes condições de trabalho, convivio e assistência para alunos, evitando o arraste e desgaste continuo nas viagens de fim de semana, pois os alunos preferiam ficar no campus da Universidade de Bristol.

E quanto à UBI? E quanto às Universidades Portuguesas? Há que ter noção da realidade. Há muito mas muito que fazer e melhorar. Claro que há os discursos da interioridade, do preço que se paga, que a culpa é do Euro. Mas não iria por aí.

O ponto de vista deste manifesto é há possiveis cenários a tirar da relação entre a Républica de Platão, a conjectura AdS/CFT , os "ram" e a UBI, como a seguir se indica.

Comece-se por estabelecer que a UBI tem que investir e buscar o melhor. A UBI tem que competir a nivel mundial/europeu/nacional, apresentando-se como tendo os melhores departamentos/linhas em determinadas áreas. Não tem que ser todo um departamento de Física, Ciências Médicas ou Economia (por exemplo), mas algumas linhas em certos departamentos têm que ser as melhores a um dos niveis mencionados. Todos os alunos que em 2001/2002 irão considerar para que Universidades concorrer, querem o melhor. Em termos gerais, a malta estudantil sabe muito bem o que escolhe, e o que preferia ter e não ter. Eles e elas consultam, falam, perguntam, consideram, evitam, preferem, fazem escolhas acerca de umas Universidades e outras não. Nesta era de "Internet-Diktat" eles e elas buscam a qualidade e reputação das Universidades e cursos em primeiro lugar, só depois vem a localização. As fontes de informação são escolas, colegas, conversas com familiares e amigos, textos escritos. E no seu objectivo de ir para a Universidade está a vantagem de uma carreira de valor reconhecido, só depois vindo os interesses técnico/cientifico.

Tal como em investigação, e desculpem a arrogância, o que é verdadeiramente importante não é achar respostas. É saber formular as questões certas para definir os métodos e determinar as soluções. E essas questões são ou poderão ser incómodas.

No entanto, aqui na UBI parece que não posso ou devo fazer "certas" perguntas. Por vezes me dizem que a UBI já "sabe tudo sobre isso", que não vale a pena, que isso ou aquilo não se questiona, temos que nos sujeitar. Lamento, mas eu prefiro a imagem do outsider marginal assumido, de rebeldia contida mas viva, correcto mas fiel aos seus principios e no que acredita.

Questione-se pois por que razão os alunos gostam ou não da UBI, se preferiam viver noutra cidade, por que razão temos 38 inscritos/40 vagas em Engenharia Textil na Universidade do Minho e apenas 2 na UBI? E por favor não venham com a resposta que o Textil não está bem divulgado. Ou que a culpa é da Física. A questão é o que Braga ou Guimarães e/ou respectivas estruturas de ensino têm que a Covilhã e/ou respectiva estrutura de ensino não tem. E não digam que quando a Auto-Estrada da Beira Interior estiver pronta estará tudo sanado. As estradas têm dois sentidos, e também podem levar muito bons e competentes alunos para fora daqui. A UBI tem um campus e estrutura progressivamente atraente mas não tem ainda suficiente competitividade. Mas não é só a UBI que tem que ser competitiva, a Covilhã também tem que o ser (a nivel da juventude nacional): no presente, pouco ainda tem a nivel cultural em termos gerais. No fundo, apenas há um preocupante orgulho no muito pouco que há ou aparenta existir. A Covilhã é ainda culturalmente deprimente (apesar de algumas poucas nobres e valorosas iniciativas) e esquece que a UBI não deve nem pode na situação económica actual relançar o ex-expoente textil da região. Há que investir é nas novas tecnologias e no futuro, assegurando sensatamente o investimento passado.

E na estrutura da UBI, devo avançar com as seguintes considerações:

1. Eu sou contra uma Faculdade de Ciências e Tecnologia, juntando as Ciências Exactas e das Engenharias. Isso iria agregar demasiadas licenciaturas num corpo directivo em contraste com outras Faculdades como de Ciências da Saúde ou uma futura de Ciências Sociais, enfraquecendo a posição destas. E as Ciências Exactas não têm que ser vistas como "prestadoras de serviços" às Engenharias e respectivos centros de investigação, onde a interseccção, interesse ou progressão cientifica é desigual para com as Ciências Exactas. Uma Faculdade de Ciências e uma Faculdade de Engenharia separadas é muito melhor. E a minha posição aplica-se aos cargos de Vice-Reitor: deverá haver um Vice-Reitor para cada Faculdade, defendendo e promovendo os departamentos que abrange. É mais eficiente, representativo e equilibrado. Na Comissão Coordenadora do Conselho Cientifico da UBI só devem estar presentes o Reitor, Vice-Reitores e/ou os Presidentes das Faculdades: grupos menores e coesos funcionam melhor.

2. Também acho que as eleições para todos os cargos ou equipas directivas departamentais na UBI devem ser por listas propostas (nem que seja lista única) com os programas e breves CV´s dos candidatos. Não aprecio listas abertas onde todos podem votar em todos, sem compromissos ou propósitos de execução.

3. E já agora, façamos inquéritos mais aprofundados. Não somente as questões insipidas que colocamos aos alunos no fim de um semestre, mas as tais questões que ninguém coloca sobre o que acham os alunos da UBI e da Covilhã, dos seus serviços, imagem, etc. E por que não os docentes também avaliarem através de inquéritos a qualidade (ou não!!) sobre os serviços sociais, académicos, gabinete de relações públicas, gabinetes de projectos e planeamento, etc, da UBI? Acham que funcionam bem? Acham que a UBI é a Universidade ideal? Nunca ouvi alguém dizer que Cambridge era a Universidade ideal, apenas que é a melhor (embora alguns infelizes disputem isso…), ou que a comida é revoltante (de facto é uma verdade quase geral), ou que os bares das JCR fechavam às 11pm mas o gato do College podia ainda ir dar umas voltas (os gatos da Universidade de Cambridge têm mais direitos que alunos de pré-graduação).

4. A UBI tem que apostar também no elitismo da excelência Universitária. No fundo todas as escolhas são elitistas. Cursos para alunos sem 12º ano poderão trazer algum reforço financeiro mas não trazem prestigio cientifico competitivo. Haverá que criar na UBI cursos de Mestrado e Doutoramento especificamente projectados para investigação competitiva, atraindo alunos provenientes de Lisboa, Porto, S. Paulo, Recife, Luanda, Dili, Madrid, Salamanca, Roma, Milão, Paris, Manchester, Boston, etc. E por isso repito: a UBI tem que possuir alguns Departamentos como sendo os melhores a nivel nacional/europeu/mundial. Haverá que definir internamente estratégias acerca onde se investe e onde se elimina (departamentos, linhas, centros, docentes, grupos/serviços). O financiamento que trará alivio às Universidades irá depender e muito da produtividade cientifica futura.

5. Em particular, também me parece que há que corrigir alguns discursos nos quais se tem afirmado que a UBI "tem adoptado no seu seio" estrangeiros e estangeirados nacionais que não são da região, possibilitando-lhes assim as condições de exercer e viver. Mas são os fundos "estrangeiros" que sustentam e apoiam a UBI. Sem esse apoio, a UBI desaparece, a cidade da Covilhã não tem meios humanos ou industriais para crescer ou se suster como actualmente. As cidades também "orgulhosamente" podem contribuir para o seu declinio. A UBI é uma Universidade pública, sustentada pelo contribuinte da Amadora, Lagos, Barcelos, Ponta Delgada, C. Branco, Viseu, etc. E tem que promover a melhor formação e investigação, aceitando um papel mais activo para os "estrangeirados".

6. Na UBI também se devia admitir "acumulação" de serviço docente únicamente para aqueles em dedicação exclusiva e com produção cientifica devidamente comprovada. I.e., durante um semestre lectivo ter-se-ia a carga horária de 2 semestes, estando livre no semestre seguinte para (a) investigação, (b) visitas e trabalho em outros centros ou departamentos nacionais, (c) escrever livros didácticos ou científicos, (d) etc. Claro que haveria que evitar hipotéticas situações de quem pense dedicar-se à análise semanal do eixo rodoviário Abrantes-Castelo Branco ou a OPV's de Sorbitol e óleo de eucalipto na região. Seria éticamente dificil para quem tenha 10-12 horas efectivas de serviço docente semanal, gestão de vários projectos cientificos e grupo de investigação, presenciar tais situações académicas imorais. Para os docentes que se dedicam empenhadamente à investigação e docência, talvez se pudesse fazer o seguinte: reduzir a carga horária a quem mais e melhor investiga e produz.

7. E quanto aos tutoriais, há que reflectir: o esquema corrente está a funcionar? Já sei, já sei, não se fazem "essas" perguntas! Mas o que se deve criar são gabinetes de apoio social-pedagógico com psicólogos, para acompanhamento de alunos. E notem: um tutor (estilo Reino Unido) é um estimulador intelectual, um docente de aulas teórico-practicas para um grupo pequeno de alunos, alguém que desperta para questionar e argumentar, analisar e afirmar. Querem isso? Então forneçam aos tutores apenas 3 a 4 horas de docência semanal, o restante é tutorial, ponham os melhores alunos dos últimos anos a receber salário e dar aulas práticas aos alunos do 1º ano.

Termino como comecei. Talvez como os que no texto de Platão que retornam à caverna e explicam que há algo mais profundo e fundamental. Que há que competir, que existe a conjectura AdS/CFT, que a UBI pode ser uma Universidade Portuguesa com linhas de actividade procurada por mais alunos e candidatos em Portugal e no mundo inteiro do que as vagas oferecidas. Mas há que ter a coragem de questionar, duvidar e (se necessário) mudar. Certa vez em Cambridge assisti durante uma entrevista a alunos (para efeitos de admissão) a uma afirmação algo inesperada: uma aluna queria tanto ser admitida que "would kill for a place" na Universidade. Quantos alunos-candidatos à UBI usariam de tal empenho? Mas já ouço a revolta, indignação agressiva dos docentes e superiores hierárquicos que acham que a UBI "sabe tudo", que não precisa de "estrangeirados" (sejam nacionais Portugueses ou não) e muito menos revolucionários, que aflição, hoje estas ideias, amanhã teremos os docentes com uma boina basca com estrela comunista (vermelha!), barba e cabelo comprido, parecendo o camarada Ernesto e a fumar charutos pestilentos. Há certos aspectos que não se questionam, criticam, mencionam, apontam ou até se duvidam; vou pois ser interpelado, vão me sugerir uma travessia do deserto serrano (ou pior ainda), enviar notificações para que não dê mais nas vistas, se chover não abra o guarda-chuva, não peça pudim de pão, passas e manteiga, coma só o pão, nós indicamos onde pode encontrar água, esqueça a manteiga.

Sto Anselmo afirmou "Credo ut intelligam" que me atrevo a traduzir como Crer para Compreender. Eu acredito em modelos cientificos que poderão dar a chave para formular as perguntas que definem estrategias onde encontrar as respostas e explicações sobre o Universo. Mas também creio que é possivel fazer melhor pela, na e com a UBI ou outra Universidade Portuguesa. Só que apontando à estrutura modificada que acima descrevi. É nisso que acredito e é nisso que posso compreender que uma Universidade possa e deva existir.

1 Os interessados podem consultar a página de strings@pt e TODOS os links indicados.
2 "Che" Guevara

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