EVIDÊNCIA

Edmundo Cordeiro

A situação genérica do cinema é a da expulsão da imagem de si própria, e dele, cinema. A tarefa principal de um autor de cinema nesta situação é a de introduzir a imagem nela própria, fazer introduzir a imagem no cinema. É isso o que define a bela obra de João César Monteiro, o seu último filme, "Branca de Neve".

Nas palavras de Kant, quando me perguntam se acho belo o palácio que tenho diante de mim, o que se deseja saber é somente se a representação do objecto, e só ela, é acompanhada em mim por uma satisfação, deseja-se pois saber se a forma, e só ela, me dá prazer… Ora, justamente, que forma é esta? É somente uma unidade de um dado sensível, é a apreensão de um sensível que não é forma de nada, é uma forma que não é forma de nada, puro sensível…

Mas do outro lado temos o trabalho da forma, o trabalho de imposição de uma forma que, no entanto, não deve sobredeterminar-se a essa forma de nada, pois se não as formas da arte não podem aparecer "belas", quer dizer, não podem dar-se a sentir como formas livres de um conceito…

Temos aqui um dilema, temos aqui um problema… Como justificar que a imagem cinematográfica possa aparecer a negro sem ser como metáfora da cegueira ou sem sem ser para figurar a noite?… Como justificar que a imagem cinematográfica possa aparecer a negro contra toda a "evidência" de um conceito de imagem cinematográfica em que esta se caracteriza por não poder ser negra quando as cenas que descreve são no seu conceito iluminadas pela luz?…

Suponhamos que Kant estaria diante deste dilema… Como é que Kant justificaria isto? É aí que a sua teoria do génio intervém… O génio produz "ideias estéticas". São ideias da imaginação - esse "espírito", esse "princípio vivificante". A imaginação associa ao conceito de um objecto um conjunto indeterminado de representações… Estas representações indeterminam o conceito e a sua relação ao objecto e transformam então a obra numa obra de arte "bela", dando-lhe portanto a aparência da natureza - não esquecer que estamos em pleno "pathos" teórico kantiano -, transformando a obra numa forma sensível irredutível à formação da matéria sensível pela intenção artística, irredutível à determinação conceptual… Por conseguinte, o princípio da "ideia estética" é o princípio da inconsciência na qual o génio é capaz de conciliar estas duas noções contraditórias de forma… Sem saber como, portanto… Daí que se possa, nestas condições, procurar a livre aparência da forma nas formas da arte… Daí que se possa, finalmente, fazer imagem "necessariamente" assim… César Monteiro inevitavelmente surpreendido…

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