Para onde vais,
Covilhã?
por
Tiago Neves
Sequeira
Cada vez que acedo ao Urbi et
Orbi ou folheio as páginas de algum dos jornais regionais
encontro mais um artigo de opinião sobre a situação
que a Covilhã vive hoje: ora manifestando um vivo elogio
às grandes obras em curso no concelho, ao asfaltamento
de grande parte das estradas e ao apoio às colectividades,
ora manifestando preocupação com a relação
entre a Autarquia e a Universidade, com a falta de cuidado urbanístico
e espaços verdes, com o isolamento da Covilhã em
relação às decisões que fazem parte
do futuro da região ou com a falta de participação
cívica nos processos que dizem respeito ao futuro da Covilhã.
Não consegui, mais uma vez, ficar indiferente! Estranho
cada vez mais a opinião de alguns (entre os quais, os
que decidem) sobre o futuro da Covilhã: "será
uma grande cidade com cerca de 100000 habitantes, espalhada por
dezenas de quilómetros quadrados que se pode ligar fisicamente
ao Fundão e a Belmonte".
Este cenário já
não é actual! De facto foi entre 1864 e 1890 que
a Covilhã foi a cidade portuguesa que mais cresceu, numa
altura que a cidade era a terceira do país a contribuir
para os cofres do Estado com Imposto industrial. A partir de
1960, o concelho da Covilhã foi dos concelhos do país
que mais população perdeu: chegou quase aos 70000
habitantes e segundo estimativas (para 2000) não chega
aos 50000. A taxa de desemprego era, em 1991, a segunda maior
da região Centro. O poder de compra dos covilhanenses
também se tem degradado, não só ao longo
do tempo, mas também em comparação com a
média do país (ver artigo de Pedro Guedes de Carvalho
- edição de 7/11/2000). Não fora a instalação
do ensino universitário e o cenário seria muito
pior. A UBI teve, indiscutivelmente, um papel crucial na absorção
de emprego da indústria têxtil, na criação
de novos empregos, na revitalização do comércio
e hotelaria, no orçamento de muitas famílias que
participam no mercado de arrendamento imobiliário e até,
uma exemplar requalificação do património
industrial. De facto, nenhuma outra actividade se tem mostrado
tão decisiva no actual ciclo económico da cidade.
Os principais contributos da UBI para a cidade e região
poderão ser, contudo, os quadros que forma, a investigação
que faz, os equipamentos e laboratórios de que dispõe
e que coloca ao serviço da comunidade empresarial e académica.
O aproveitamento destas potencialidades pela cidade depende das
estratégias que esta seguir.
De facto, a Covilhã depara-se
hoje com duas questões cruciais para o seu desenvolvimento:
(a) Como estancar a crise demográfica que pode dar origem
a fenómenos de sobreequipamento?; (b) Como se deve afirmar
no contexto das cidades de média dimensão do interior
de Portugal? Estas têm sido aliás as questões
que centralizam as preocupações dos vários
artigos que têm sido publicados por académicos,
políticos e por cidadãos interessados no desenvolvimento
da sua cidade.
A primeira questão suscita
desde logo outra: que público-alvo quer a Covilhã
atrair? Se a Covilhã quiser atrair trabalhadores para
os serviços, a construção civil e indústrias
pouco qualificadas e empresários sedentos de licenças
camarárias, então pode fomentar o florescimento
de novos empreendimentos urbanísticos de baixa qualidade,
favorecer a instalação de novos espaços
comerciais, deixar instalar nos novos parques industriais empresas
de serviços e comércio ou de indústrias
sem grande valor acrescentado, que apenas aproveitam os preços
baixos para renovarem as instalações, enfim concretizar
uma "política de betão". Se assim for,
a longo prazo, as pessoas sairão da cidade para outras
cada vez mais atraentes, em termos ambientais, culturais e urbanísticos.
A Covilhã sucumbirá num eixo mais forte de cidades
que não encetarem este tipo de estratégia.
Ao contrário, a Covilhã
pode querer aproveitar a presença da Universidade e querer
transformar-se numa cidade universitária qualificada no
interior do país, atraindo cada vez melhores alunos e
quadros qualificados - investigadores, professores, empresários
que aproveitam os equipamentos da Universidade para fazerem investigação.
Para isso, a Autarquia deve promover a requalificação
urbana, deixar bem separado o espaço urbano do espaço
rural, fornecer à Universidade as condições
necessárias para que esta possa desenvolver o seu projecto
e não tenha que gastar energias em "questões
menores", ser selectiva nos investimentos a fazer e a apoiar
e não ceder aos interesses instalados. Não deve,
por exemplo, deixar instalar comércio e indústrias
intensivas em mão de obra em parques industriais inicialmente
voltados para instalação de empresas de novas tecnologias.
A seguir este caminho, a Covilhã nunca se tornará
uma grande cidade (de qualquer das formas, nunca o será!),
mas manterá as condições de atracção
características das cidades médias (segurança,
espaços verdes, acesso a valores ambientais e paisagísticos)
e criará outras (acesso a bens culturais, científicos
e de investigação e a serviços de saúde
qualificados). Nesta estratégia, Covilhã e Universidade
têm papeis distintos mas dependentes: nenhuma vingará
sem o apoio da outra. Talvez os seus promotores não tenham
um apoio popular inequívoco mas certamente ficarão
lembrados na história como os construtores de uma cidade
"talvez eterna". Uma estratégia centrada no
ensino superior, na investigação, na tecnologia
e na qualidade de vida não significa que a cidade deve
esquecer todas as outras características e potencialidades,
significa apenas que as suas energias se voltam para aquilo que
é essencial para vencer os desafios do futuro.
A segunda questão coloca
a Covilhã com um problema de relacionamento com outras
cidades. A primeira estratégia que pode ser seguida é
a do isolamento. A Covilhã, como cidade de 30000 habitantes,
a maior (a par com Castelo Branco) da Beira Interior, deve abastecer-se
de todos os serviços públicos que necessita: deve
tratar o seu próprio lixo, captar e tratar as suas próprias
águas, gerir por si só os recursos turísticos
que tem no concelho. Seguindo esta estratégia de não
cooperação, os empresários da Covilhã
fazem exactamente o mesmo que os de Castelo Branco e da Guarda,
os politécnicos destas cidades criam licenciaturas bi-etápicas
com nomes e conteúdos semelhantes aos das licenciaturas
da UBI. Enfim, a Covilhã, seguindo esta política,
isola-se dos concelhos limitrofes (Fundão, Belmonte, Manteigas,...)
e entra em competição directa com as cidades do
mesmo nível hierárquico mais próximas (Castelo
Branco e Guarda). Esta estratégia tem custos económicos
de curto e de longo prazo. No curto prazo, o não estabelecimento
de parcerias para o fornecimento de serviços públicos
(conhecidos pelos elevados custos fixos e irrecuperáveis
e por consequência por grandes economias de escala, i.e.,
fica mais barato fornecer um m3 de água a 100000 habitantes
do que a 50000), aumenta os custos dos projectos. No longo prazo,
a não existência de complementaridades no tecido
empresarial, nos serviços públicos e no ensino
universitário e politécnico impossibilitam a constituição
de uma rede urbana forte e diminuem a competitividade destas
cidades face às do litoral e das regiões fronteiriças
espanholas.
Outra estratégia alternativa
parte do reconhecimento de que a Covilhã deve ser parceiro
essencial nas negociações com os concelhos vizinhos,
pelo seu peso populacional e económico na região
e deve viabilizar os processos comuns e não incompatibilizar-se
com eles. É claro que tudo isto depende também
das atitudes dos responsáveis pelos outros concelhos e
pelas suas instituições, mas pela sua importância
na região, a Covilhã deveria assumir um papel exemplar.
Todos sabemos quais destas estratégias
a Covilhã tem vindo a seguir. Poucos covilhanenses entendem
hoje a razão de tanta polémica acerca do desenvolvimento
da cidade que parece um processo tão pacífico,
mas amanhã todos acusarão os responsáveis
se a cidade não se pacificar com a Universidade, se não
se entender com os municípios vizinhos, se não
passar de uma política de quantidade para uma política
de qualidade e se não se unir com ela própria e
com a região para enfrentar tempos difíceis que
se avizinham. Todos entenderão então que nada valem
os protagonismos individuais se os interesses da Covilhã
não foram postos acima de tudo.
Espero que os covilhanenses exijam
a discussão pública do plano estratégico
e que esse seja um palco importante de debate e conclusões
sobre os verdadeiros desafios que se colocam à cidade
e ao concelho! Chega de Megalomanias! É necessário
pensar a Covilhã!
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