O Político
e os cientistas
1. O Presidente da Câmara
da Covilhã foi à abertura do I Encontro de Órgãos
de Comunicação social da Beira Interior apresentar
o ponto de vista dos políticos aos jornalistas e os estudiosos
de Ciências da Comunicação. Tratou-se de
uma visita efectuada com pompa, circunstância e alguma
coragem. No decorrer da sua intervenção o político
entreviu uma cabala conspirativa nos órgãos de
comunicação social e nos opinion makers
locais pelo facto de tecerem críticas ao caos urbano
do TCT quando não haviam feito as mesmas críticas
na construção da Rua Mateus Fernandes. Genericamente,
defendeu a tese segundo a qual os jornalistas, editorialistas
e publicistas locais também deveriam ser sujeitos à
crítica pública do mesmo modo que os políticos,
os quais têm do seu lado a legitimidade resultante do voto
popular.
Independentemente dos méritos da intervenção,
cuidadosamente planeada e pensada, a atitude do Presidente da
Câmara surge como um verdadeiro case study sobre
as relações entre políticos e jornalistas.
Para o autarca, trata-se de impedir os jornalistas de fazerem
política de modo ilegítimo Para um Director de
um jornal que se pronunciou sobre essa matéria, uma intervenção
deste género não passa de um expediente para exercer
pressão sobre a imprensa.
Vale a pena fazer algumas observações sobre o tema.
Em primeiro lugar, a tentativa de os políticos imputarem
aos media a responsabilidade de um ambiente tendencialmente mau
em torno de uma Administração não é
nova. O argumento de que os jornalistas, editorialistas e fazedores
de opinião não são eleitos já foi
brandido em campanhas que já foram estudadas até
à exaustão. No fundo trata-se de uma competição
pelo alvará de produzir opinião. No decurso desta
competição, normalmente os políticos têm
ao seu dispor um número maior de armas para utilizarem:
a distribuição de publicidade que, no caso da
Imprensa regional, é um bem escasso que as Câmaras
sabem gerir segundo o princípio que não se pode
morder a mão de quem dá de comer; os processo
judiciais; e a gestão do modo como se acede à informação
no interior dos órgãos a que pertencem.
Em segundo lugar, não se pode colocar os jornalistas e
os autores ocasionais e voluntários de crónicas
e análises políticas no mesmo saco. No geral,
a Câmara covilhanense gozou de boa imprensa durante três
anos, em especial no que respeita aos géneros informativos
do tipo da notícia e da reportagem. No último
ano, tem evidenciado algumas dificuldades em obter o mesmo favor
da parte dos géneros opinativos, normalmente atribuídos
a colabores eventuais e crónistas fixos. Apesar de se
tratar de um género onde pontuam personalidades de vários
partidos, incluindo o próprio PSD, a maioria camarária
covilhanense parece ter dificuldade em lidar com este género
de analistas e produtores de opinião. Como na sua maioria
são oriundos da sociedade civil (universidade, associações,
organismos culturais), esta dificuldade de relacionamento parece
ser o sintoma de um fenómeno mais geral: uma certa dificuldade
de estabelecer contacto com as elites, em especial aquelas que
se vão consolidando em torno da Universidade. Nessa medida,
alguns acontecimentos recentes relacionados com o afastamento
de colaboradores e apoiantes próximos pode ser mais um
sintoma que reforça esta análise: hábil
no populismo, a Câmara da Covilhã não é
tão hábil quando se trata de responder a públicos
com níveis de exigência mais elevados. Não
porque não seja capaz, naturalmente. Mas porque se trata
de uma dimensão nova que só agora emerge de modo
claro, designadamente à medida que alunos e
professores
da UBI conquistam espaço nos media locais.
Em terceiro lugar, haverá que ter em conta que hoje se
assiste a um regresso do debate político. O afastamento
e a demissão de colaboradores do Presidente e da maioria
geralmente tidos como mais inquietos, os episódios que
se multiplicam no interior do PS, a forma como uma nova classe
política parece teimar em afirmar-se no interior dos dois
principais partidos são sinais ainda que ténues
do surgimento de uma nova geração e da busca de
novos equilíbrios.
Em quarto lugar, pressente-se que o regresso do debate político
induz por arrastamento o fortalecimento do jornalismo de opinião.
Trata-se de um fenómeno estrutural bem típico da
Covilhã, onde sempre existiu um espaço público
forte e politizado. Não é por acaso que jornais
de outros concelhos vêm buscar à Covilhã
uma parte significativa do material que alimenta a controvérsia.
Nesta matéria não há volta possível
a dar-lhe. Esta é uma cidade habituada à polémica
democrática. Esta componente da luta em torno da hegemonia
opinativa só pode ser ganha por quem combater com as armas
adequadas. Provavelmente, em vez de desfazer-se em queixumes,
a classe política, designadamente a que apoia a actual
maioria só tem um remédio: escrever. Participar
nos mesmos fóruns onde lhes são tecidas críticas
e apresentar os seus argumentos. Naturalmente, serão bem
recebidos.
Não se tente por isso imaginar um cenário conspirativo,
marcado por centrais negras onde anónimos escribas tecem
venenos corrosivos contra a excelência da Administração.
Há quem imagine os cronistas covilhanenses a contactarem
entre si na segunda e na terça feira, segredando nos seus
telemóveis as fórmulas mágicas que irritem
Carlos Pinto. Porém, esse é o argumento de um
mau filme de suspense.
2. As relações
entre a cidade e a Universidade têm originado pano para
mangas. De uma forma implícita, neste debate, inscreve-se
outro mais subtil também ele a ecoar na irritação
de Carlos Pinto contra os cronistas mais críticos. Refiro-me
ao confronto saudável e necessário entre a "velha
Covilhã" e a "nova Covilhã". A primeira
orgulhosa da sua cultura têxtil, justamente orgulhosa de
um forte passado industrial tem dificuldade em confrontar-se
com a emergência de novas realidades sociais e culturais
que disputam, no espaço público e na visibilidade
social, a base de recrutamento e de formação de
elites. Tradicionalmente sancionadas pelo sucesso económico,
empresarial ou sindical, muitas das elites da Covilhã
tradicional gostariam, inconscientemente, de ver na Universidade
uma espécie de superpolitécnico que prolongasse
com mais excelência a venerável tradição
da Escola Campos Melo. Mesmo que não o digam nem o pensem
de modo consciente, aos olhos dos que assim pensam, o ensino
universitário continuaria a reproduzir velhas relações
sociais. A "nova Covilhã", pelo contrário,
afirma novos espaços de visibilidade que lentamente vão
conquistando a sua autonomia independentemente da realidade económica
e industrial. São duas Covilhãs merecedoras do
mesmo respeito e igualmente essenciais para o futuro da Cidade
e da Região. O futuro dará novas deste diálogo
que se afigura difícil como todas as coisas verdadeiramente
importantes.
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