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Livre Exame      


 


João Correia

O Político e os cientistas

1. O Presidente da Câmara da Covilhã foi à abertura do I Encontro de Órgãos de Comunicação social da Beira Interior apresentar o ponto de vista dos políticos aos jornalistas e os estudiosos de Ciências da Comunicação. Tratou-se de uma visita efectuada com pompa, circunstância e alguma coragem. No decorrer da sua intervenção o político entreviu uma cabala conspirativa nos órgãos de comunicação social e nos opinion makers locais pelo facto de tecerem críticas ao caos urbano do TCT quando não haviam feito as mesmas críticas na construção da Rua Mateus Fernandes. Genericamente, defendeu a tese segundo a qual os jornalistas, editorialistas e publicistas locais também deveriam ser sujeitos à crítica pública do mesmo modo que os políticos, os quais têm do seu lado a legitimidade resultante do voto popular.
Independentemente dos méritos da intervenção, cuidadosamente planeada e pensada, a atitude do Presidente da Câmara surge como um verdadeiro case study sobre as relações entre políticos e jornalistas.
Para o autarca, trata-se de impedir os jornalistas de fazerem política de modo ilegítimo Para um Director de um jornal que se pronunciou sobre essa matéria, uma intervenção deste género não passa de um expediente para exercer pressão sobre a imprensa.
Vale a pena fazer algumas observações sobre o tema.
Em primeiro lugar, a tentativa de os políticos imputarem aos media a responsabilidade de um ambiente tendencialmente mau em torno de uma Administração não é nova. O argumento de que os jornalistas, editorialistas e fazedores de opinião não são eleitos já foi brandido em campanhas que já foram estudadas até à exaustão. No fundo trata-se de uma competição pelo alvará de produzir opinião. No decurso desta competição, normalmente os políticos têm ao seu dispor um número maior de armas para utilizarem: a distribuição de publicidade que, no caso da Imprensa regional, é um bem escasso que as Câmaras sabem gerir segundo o princípio que não se pode morder a mão de quem dá de comer; os processo judiciais; e a gestão do modo como se acede à informação no interior dos órgãos a que pertencem.
Em segundo lugar, não se pode colocar os jornalistas e os autores ocasionais e voluntários de crónicas e análises políticas no mesmo saco. No geral, a Câmara covilhanense gozou de boa imprensa durante três anos, em especial no que respeita aos géneros informativos do tipo da notícia e da reportagem. No último ano, tem evidenciado algumas dificuldades em obter o mesmo favor da parte dos géneros opinativos, normalmente atribuídos a colabores eventuais e crónistas fixos. Apesar de se tratar de um género onde pontuam personalidades de vários partidos, incluindo o próprio PSD, a maioria camarária covilhanense parece ter dificuldade em lidar com este género de analistas e produtores de opinião. Como na sua maioria são oriundos da sociedade civil (universidade, associações, organismos culturais), esta dificuldade de relacionamento parece ser o sintoma de um fenómeno mais geral: uma certa dificuldade de estabelecer contacto com as elites, em especial aquelas que se vão consolidando em torno da Universidade. Nessa medida, alguns acontecimentos recentes relacionados com o afastamento de colaboradores e apoiantes próximos pode ser mais um sintoma que reforça esta análise: hábil no populismo, a Câmara da Covilhã não é tão hábil quando se trata de responder a públicos com níveis de exigência mais elevados. Não porque não seja capaz, naturalmente. Mas porque se trata de uma dimensão nova que só agora emerge de modo claro, designadamente à medida que alunos e professores da UBI conquistam espaço nos media locais.
Em terceiro lugar, haverá que ter em conta que hoje se assiste a um regresso do debate político. O afastamento e a demissão de colaboradores do Presidente e da maioria geralmente tidos como mais inquietos, os episódios que se multiplicam no interior do PS, a forma como uma nova classe política parece teimar em afirmar-se no interior dos dois principais partidos são sinais ainda que ténues do surgimento de uma nova geração e da busca de novos equilíbrios.
Em quarto lugar, pressente-se que o regresso do debate político induz por arrastamento o fortalecimento do jornalismo de opinião. Trata-se de um fenómeno estrutural bem típico da Covilhã, onde sempre existiu um espaço público forte e politizado. Não é por acaso que jornais de outros concelhos vêm buscar à Covilhã uma parte significativa do material que alimenta a controvérsia. Nesta matéria não há volta possível a dar-lhe. Esta é uma cidade habituada à polémica democrática. Esta componente da luta em torno da hegemonia opinativa só pode ser ganha por quem combater com as armas adequadas. Provavelmente, em vez de desfazer-se em queixumes, a classe política, designadamente a que apoia a actual maioria só tem um remédio: escrever. Participar nos mesmos fóruns onde lhes são tecidas críticas e apresentar os seus argumentos. Naturalmente, serão bem recebidos.
Não se tente por isso imaginar um cenário conspirativo, marcado por centrais negras onde anónimos escribas tecem venenos corrosivos contra a excelência da Administração. Há quem imagine os cronistas covilhanenses a contactarem entre si na segunda e na terça feira, segredando nos seus telemóveis as fórmulas mágicas que irritem Carlos Pinto. Porém, esse é o argumento de um mau filme de suspense.

2. As relações entre a cidade e a Universidade têm originado pano para mangas. De uma forma implícita, neste debate, inscreve-se outro mais subtil também ele a ecoar na irritação de Carlos Pinto contra os cronistas mais críticos. Refiro-me ao confronto saudável e necessário entre a "velha Covilhã" e a "nova Covilhã". A primeira orgulhosa da sua cultura têxtil, justamente orgulhosa de um forte passado industrial tem dificuldade em confrontar-se com a emergência de novas realidades sociais e culturais que disputam, no espaço público e na visibilidade social, a base de recrutamento e de formação de elites. Tradicionalmente sancionadas pelo sucesso económico, empresarial ou sindical, muitas das elites da Covilhã tradicional gostariam, inconscientemente, de ver na Universidade uma espécie de superpolitécnico que prolongasse com mais excelência a venerável tradição da Escola Campos Melo. Mesmo que não o digam nem o pensem de modo consciente, aos olhos dos que assim pensam, o ensino universitário continuaria a reproduzir velhas relações sociais. A "nova Covilhã", pelo contrário, afirma novos espaços de visibilidade que lentamente vão conquistando a sua autonomia independentemente da realidade económica e industrial. São duas Covilhãs merecedoras do mesmo respeito e igualmente essenciais para o futuro da Cidade e da Região. O futuro dará novas deste diálogo que se afigura difícil como todas as coisas verdadeiramente importantes.

 

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