Cinema doméstico
Não é
fácil viver no Interior sem sentir, aqui e acolá,
um perturbante atrofiamento. O que fazer, o que ver, onde ir,
como escapar ao correr sempre igual dos dias? Que armas usar
contra a letargia? Como interromper o fio às vezes monótono
dos dias? Há sempre um livro para ler, a televisão
por cabo ou a internet, um disco com que preencher um bom pedaço
de tempo, um concerto ocasional, uma exposição.
E claro, os bares, os cafés ou a discoteca. Com estas
opções todas é fácil perceber que
o tão usado "não há nada para fazer"
por vezes é mais uma justificação para a
inércia do que uma deficiência real. Mas faltam
coisas, claro.
Para aqueles que gostam de cinema, o panorama não era
nada motivador. A programação das duas salas do
circuito comercial deixam inevitavelmente a desejar. Um bom filme
chega quando chega, e na maior parte das vezes não chega.
Há filmes então que era preferível que nunca
chegassem. Por tudo isto é obrigatório saudar o
reinicio da actividade de exibição do Cine Clube
da Beira Interior. E não apenas pela diversidade que necessariamente
representa em termos de oferta, que é naturalmente um
serviço valorizado por todos os cinéfilos (e não
se entenda este termo como elitista, como tantas vezes acontece,
mas apenas como um meio de denominar aquelas pessoas para quem
o cinema não é um troféu ou uma obsessão,
mas tão simplesmente um gosto), mas também pela
dinâmica e a atmosfera das próprias sessões.
A sala é pequena sem ser acanhada, a sua disposição
é bastante singular, por vezes uma corrente de ar arrepia,
aqueles que chegam tarde vêm as suas sombras na tela, há
uma ou outra falha na projecção. Não são
imperfeições de monta, são até curiosas,
têm a sua piada, dão um ar doméstico ao acontecimento,
não ensombram em nada o trabalho dos cineclubistas que
diariamente trabalham para nos oferecer melhor cinema, mais cinema,
outras visões. São até um modo de comunhão,
criam uma empatia entre quem exibe e quem assiste, um sentimento
de familiaridade. Une as pessoas no propósito que as levou
ali, sublinha o gosto de quem ali está em lá estar,
percebe-se melhor porque lá foram. Não mais que
uma vontade de ver mais, disfrutar mais, se possível aprender
e reflectir. E isso nenhuma corrente de ar, nenhum ruído,
nenhuma desfocagem faz esmorecer. Em boa hora o CCBI voltou ao
trabalho. Espera-se agora a correspondente e desejável
resposta do público.
|