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Livre Exame      


 


João Correia

1. Algures, em Coimbra, terra mãe da tradição académica juntara-se anti e pró-praxes para discutir o significado das ditas. Trata-se de um assunto actual e, por isso, uma inciativa destas vale a pena, tem significado e se calhar merecia ser reproduzida noutras academias. Senão vejam-se alguns motivos: em primeiro lugar, o fenómeno em causa já fez vítimas. Se algumas dessas vítimas ficaram feridas fisicamente outras ficaram, pior um pouco, gravemente lesadas na sua auto estima, apesar de se não terem queixado. Em segundo lugar, mesmo que se defenda o valor integrador da praxe, ter-se-á que admitir que a tradição pode ser reformulada, chamada ao bom senso, trabalhada e pensada de modo a adaptar-se às realidades de hoje. Finalmente, sente-se, pela primeira vez, uma verdadeira apetência da academia para se debruçar sobre este tema. Os movimentos anti-praxe tomam posição, escrevem-se artigos de opinião a favor e contra, os episódios mais polémicos geram controvérsia. Pela priomeira vez, depois de uma desão esfuziante que passava pela adopção semi-acrítica dos rituais do costume, multiplicam-se as vozes que dizem que são contra ou, pura e simplesmente, indicam a necessidade de parar para pensar.
Na semana em que a Praxe surge com mais vigor em toda a sua pujança (eventualmente, aqui e ali, em toda a sua boçalidade), seria interessante que a Academia se predispusesse a colocar este tema na Agenda. Promovendo um debate, aproveitando os instrumentos de reflexão que existem no seio da própria Academia.

2. De repente faz-se silêncio no meio da tagarelice; ouve-se um violocelo que parece andar à procura de alguma coisa que não nos pertence: Deus, a transcendência humana, ou apenas o engano do homem, a crença solitária e recorrente numa parte de nós que está face a face com a morte e, por isso, mais do que qualquer outra, descobre o valor da vida? É uma fuga de Bach executada por Casals. No universo Bigbradológico da Palermice, é um outro lugar. Não existe. É isto que alguns chamam de elitismo.
O audaz Vasco Pulido Valente entende que o tele-lixo é o preço a pagar pela Democracia. A exibição da vulgaridade, da pequenez é consequência necessária da chegada ao espaço público de novas camadas sociais. Se é permissível a escolha por parte dos que recentemente ascenderam a escala social, como silenciar os seus gostos?
Há qualquer coisa de profundamente totalitário neste raciocínio: se lhes derem a escolher não podem senão escolher a vulgaridade. Não é possível uma alternativa: atirem-nos com os seus ídolos rasca e os seus futebóis. Nesta lógica, quem pensa está encostado à parede: é um intelectual elitista.
Acredito que há outras escolhas. O triunfo das novas identidades sociais podia não se fazer necessariamente pela glorificação da pirosada. Até porque este pseudo-triunfo da arrogância populista, das bailarinas atrevidas de saia cor-de-rosa, este país de vilarinhos e de kik-boxers e irmãzãos continua, isso sim, a reproduzir dominações e novas hierarquias disfarçadas de mobilidade.
A solução passa pelo serviço público- perguntam os liberais, cépticos? Claro que não, penso eu. Ou pelo menos não da forma como (não)tem sido feito. O serviço público entendido como padrão de gosto, acoutado numa posição defensiva onde cabem as sensibilidades minoritárias deve ser preservado mas não é eficaz no que respeita à capacidade de dar a volta à situação. Vencer a literacia, o analfabetismo, dotar o país de infraestruturas é a única estratégia possível. É no médio prazo que se descobrirão soluções diferentes, não necessariamente assentes num iluminismo elitista e pedante mas numa política que em Portugal nunca foi cumprida de forma integral: a democratização da cultura. Mais teatros, mais escolas de música, mais cine clubes. A diferença entre este país e os outros que consomem o tele lixo é que o nosso é mais vulnerável, tem mais gente que não sabe ler, tem maiores indices de literacia e menos possibilidades de escolha.

3. A definição da cultura acomo uma aposta estratégica que as autarquias deveriam eleger como sua, não significa a defesa de uma visão elitista e letrada da política e, muito menos, da política de cultura. Se isto fosse facilmente compreensível não se admitira, por exemplo, a proliferação indiscriminada de mamarrachos em zonas novas que se ofereciam como uma alternativa à desgraçada canção da Reboleira. Se isto fosse mesmo óbvio, não se admitiriam a realização de atentados patrimoniais na zona antiga da cidade, designadamente junto à antiga Judiaria. Se esta evidência fosse tão auto-suficente como se diz, não haveria jardins no centro da Covilhã impróprios para as crianças, jardins apodrecidos a desfazerem-se em noites de xutos e de amores de taxímetro.Pelo contrário, planear-se-iam, formas de recuperação da zona antiga que incluissem a realização de actividades de animação. Dinamizar-se-iam formas de arte pública que constituissem um espantalho para as faunas marginais que assntaram arraiais no jardim público. Far-se-.ia de todos os locais da cidade que oferecem espaço para sua fruição pelos cidadãos um potencial pólo de animação cultural.
O Pelouro da Cultura é, desde há muitas décadas, , independentemente dos vereadores que ocupam a cadeira do gabinete, um posto público de distribuição de subsídios e uma gabinete de promoção de eventos. Ora isto, deveria ser uma infíma parte da sua razão de ser. Qualquer gabinete desempenharia essa actividade e ficaria mais barato do que o ordenador de um vereador.

4. Desde que a legislação consagrou a possibilidade de um Adjunto e um Secretário da confiança política e pessoal do edil camarário que se começaram a desdobrar avenças e ordenados para assegurar a contratação de mais pessoal. Não se contratam animadores culturais. Não se abre concurso para animadores desportivos. Porém, a nomenklatura de avenças multiplica-se em promotores de imagens, secretários, spin doctors, assessores para a imagem da frente, asessores para imagem do lado e até para o turismo.
A fim de dar uma superior rentabilidade a esta possibilidade, surge, por vezes,o expediente de contratar acessores de entre o pessoal político do partido da oposição a fim de assegurar que no interior deste prossiga alguma arruaça proveniente de desavenças armadilhadas nos laboratórios do poder. Assim se dá uso ao erário público, transformado em pagante das pequenas guerrilhas do poleiro.

5. O queijo de Campelo transtorna com o seu perfume as avenidas do Orçamento. Numa palavra, cheira a esturro.

 

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