Violência
do puro
José
Domingues
Criticamos o mundo, o que se
produz sob o domínio do espírito e também
os sentimentos, as intuições, as opiniões,
as representações, as imagens, as técnicas
que uma inteligente consideração do mundo diz que
são unicamente aparência, fugaz e insignificante,
que em si não merece o nome de verdade. Criticamos porque
não temos o mundo como ele é? Por sabermos como
ele deve ser mas não é?
Os críticos têm
a vantagem de pressupor a verdade como imediatamente dada e de
pressupor também o ulterior desenvolvimento dela. Pressupõem
um trato e também um interesse pelos objectos do mundo
que imediatamente o que formam para si é o real. Capazes
de conhecer os objectos absolutamente, se indagam simulam que
não sabem como prosseguir.
Pressupõem que a existência é em parte aparência
e só em parte realidade. A realidade não é
o que se acha na vida ordinária realidade, volubilidade,
engano, e o que se situa nessa linha. O acidental da existência
não merece o nome de real, pois pode não ser do
modo que é. Pensa-se que não tem existência
(perturbante!) ou que é uma quimera ou uma fantasia para
se pensar que é algo de demasiadamente insuficiente para
obter realidade.
O crítico sabe que o instrumento
com que opera separa a realidade, mas tem os delírios
das suas abstracções, que o empolgam no campo político,
para onde prescreve, como se o mundo esperasse por ele para saber
como deve ser. Toma como objecto do seu pensamento o pensamento
sem misturas, puro de ídolos e de formas, e actua em vista
dos acontecimentos da experiência fugaz, para que não
lhe tirem o chão em que tem a terra firme e familiar.
Assim não sabe em que mundo se encontra e não sabe
o que deve pensar. Não compreende. Porquê? Quer
ter diante de si o mundo da sua abstracção. O outro
mundo depura-o, ao substituir o falso todo por verdadeiro. Uma
pequena, só, grande violência com as coisas que
em formas híbridas disputam a política do mundo.
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