Clique aqui para regressar à Primeira Página



 

Dez anos depois do grande incêndio da Covilhã
José Flávio faz rescaldo
de mais um Verão ardente

POR MARIANA MORAIS

Dez anos depois do incêndio que ameaçou a Covilhã, o comandante dos Bombeiros Voluntários da Covilhã, José Flávio, acha que não se aprendeu com a lição e considera que " não há uma política de prevenção dos fogos florestais que esgotam homens e material. "Esperamos que o Ministério da Administração Interna pague o que nos deve", desabafa aquele responsável.

 

José Flávio Martins, professor de educação física, aposentado, é comandante a tempo inteiro da corporação dos Bombeiros Voluntários da Covilhã. Bombeiro desde l963, trabalha, por vezes, 14 horas diárias. Segundo este veterano do combate ao fogo, no decurso do Verão, só no concelho da Covilhã, arderam 14 mil hectares.
"Foi um Verão trágico. Nós já sabíamos que este ano iria ser difícil porque da União Europeia vieram l80 milhões de contos para reflorestação. Por isso, tudo o que era giesta ardeu. Na zona do Corge, nas Quintas do Rio, nas Penhas da Saúde só ardeu giesta e torga", explica.

Fogos florestais

Os fogos florestais provocam desânimo e desestabilização. Os bombeiros ficam de tal maneira fatigados e permanecem tanto tempo afastados das famílias que chegam a pôr
em causa se hão-de continuar ou não.
"Quando se vai combater um fogo florestal sabe-se quando se sai mas não se sabe quando se regressa. Pode-se andar por lá dois, três dias ou uma semana. Torna-se muito difícil as pessoas serem dispensadas pelas entidades patronais. Eles não dispensam ninguém porque sabem que os incêndios são, na sua maior parte, de origem criminosa. E quando os incendiários são apanhados consideram-nos loucos e raramente os condenam", desabafa o Comandante da corporação covilhanense de bombeiros.

Incendiários aprendem na Internet

Só 2 por cento dos incêndios têm causas naturais, todos os demais têm origem humana. "Há os pirómanos e também situações de vingança entre vizinhos. Há os madeireiros que querem comprar madeira mais barata. Existe muita negligência, as pessoas fazem queimadas sem respeitarem as normas. Em Julho, Agosto e Setembro os combustíveis finos (palhas e panascos) perdem humidade e inflamam-se rapidamente levando a que os materiais pesados (árvores e arbustos) libertem vapores com mais facilidade e entrem em combustão", explica Jose Flavio.
Apesar de se ter avançado na descoberta de técnicas novas no combate aos fogos, os incendiários também aprenderam muito. "Hoje chegam a uma página da Internet, vêem lá muitas formas de lançar um fogo e mil maneiras de o fazer".

Combater o fogo é uma guerra

Nos incêndios de grandes dimensões tem de haver organização.
"Há o comandante de planeamento, o comandante de combate, o comandante da logística, os comandantes de divisões e os comandantes operacionais. Como nós estamos numa região montanhosa, um dos grandes problemas com que nos debatemos é a falta de pontos de água em certos locais, tanto para abastecimento dos helicópteros como para os auto-tanques. Muitas vezes tem de se andar 10 quilómetros para se atestar uma viatura. Esta distância em montanha demora mais de meia hora a percorrer e o fogo não espera".

"99 foi brincadeira"

Na opinião de José Flávio, deve ser feita uma avaliação da floresta para saber a quem pertence. "Os proprietários de floresta ou a limpavam ou esta passava a ser posse do Estado. Este deve assumir a limpeza da floresta. Não pode fazer o abate dos pinheiros pequenos, ramos velhos e giesta e deixá-los no local. Se a desrama fosse feita em Outubro e depois triturada, como se faz nalguns países, passava-lhe por cima um Inverno com chuva e neve, apodrecia, servia de húmus e evitava a erosão dos terrenos".
O comandante espera que o Ministério da Administração Interna pague os fogos florestais na totalidade. "Temos 36 pneus rebentados. São mil e muitos contos. Só em refeições gastámos mais de dois mil contos. O ano passado ficaram a dever-nos quase mil e quinhentos contos. E a situação em 1999 foi uma brincadeira comparada com este ano".

 

 [ PRIMEIRA PÁGINA ]