A banalidade
do mal
Num livro impressionante (e,
na altura, extremamente polémico) sobre o julgamento de
Eichmann em Jerusalém, ao procurar resumir a desproporção
quase absoluta entre a insignificância da personagem e
o carácter terrífico das suas acções,
Hannah Arendt cunhou a expressão "banalidade do
mal".
Ao ver, quando vejo, o que se passa na "casa" do Big
Brother, não consigo deixar de pensar na expressão
de Hannah Arendt. O que acima de tudo me impressiona no programa
("a primeira novela da vida real", diz a publicidade)
é o seguinte: como é possível que uma sociedade
inteira (ou, pelo menos, uma sua grande parte) dê a sua
atenção, que é um bem cada vez mais escasso,
a personagens que, se alguma coisa manifestam, é uma banalidade
de comportamentos, de palavras e de sentimentos tão extrema?
O que é que há, nessa banalidade, que tanto nos
atraia? A nossa própria banalidade? O facto de vivermos
num mundo em que não só o mal e os criminosos se
tornaram banais, mas em que tudo, inclusive o bem, se tornou
banal? Numa sociedade em que, deixando de haver heróis
e santos para admirar, nos resta apenas espreitar os homens banais
que, como nós, não podem senão manifestar
a sua banalidade?
A ser assim, ao referir-se à "banalidade do mal"
Hannah Arendt diagnosticava, com o olhar clínico que sempre
foi o seu, uma das características fundamentais das sociedades
contemporâneas. E, se é certo que alguns tendem
a ver, nessa banalidade generalizada, um acréscimo da
"democracia" e da "igualdade", pela minha
parte prefiro ver nela a regressão daquilo a que chamarei
o carácter aristocrático da vida - entendendo aqui
por "aristocracia" não o poder dos nobres, mas
o poder daquilo que torna nobre, isto é, distinto e relevante,
cada um de nós.
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