Público
(2)
por
Edmundo
Cordeiro
Porque parecerá o Big
Brother uma forma limite para os críticos de televisão,
qualquer coisa que passa dos limites? A razão parece ser
esta: há um limite mais ou menos preciso para os críticos
de televisão - é o que chamam dignidade humana
(nem tudo pode ser a qualquer preço) e experiência
admissível (há coisas que não se podem fazer).
Para os críticos de televisão, o Big Brother é
pior que um concurso, um "debate", um "talk show",
uma telenovela ou um telejornal. É pior porque, segundo
eles, vai para além da dignidade humana e da experiência
admissível, dignidade e experiência que um concurso,
um "debate", um "talk show", uma telenovela
ou um telejornal, ainda assim, deixariam mais ou menos intactas.
Mas qual é exactamente o preço? E o que é
admissível e onde é admissível? Em que é
que esse preço e essa experiência são diferentes
em qualidade dos outros preços e das outras experiências?
E o que é exactamente isso, isso que tem um preço
até certo ponto aceitável, isso que é admissível
e, depois desse ponto, já não tem preço
aceitável nem se pode admitir? A dignidade humana? Mas
qual o limite e qual o preço?
A televisão produz o público.
Produz o público que assiste e o público que "participa"
(é o mesmo público). O público produzido
pela televisão tem uma definição precisa:
aceita a sua venda. Muitos são os clientes. Será
que é possível uma mercadoria estabelecer o preço
e, ainda, estabelecer os limites da sua dignidade? Uma dignidade
de mercadoria, uma vergonha de mercadoria? Não será
antes de supor que toda a mercadoria, por definição
(lei do mercado), tem o preço certo (por definição)?
Preço por participar e assistir a um "debate"
(que é independente do preço da dignidade e da
admissibilidade da experiência de participar e assistir
a um "debate"), preço por participar e assistir
a um "programa de entretenimento", etc. Uma coisa é
certa: não serão os críticos de televisão
ou da dignidade humana a estabelecer o preço, eles que
já pagam e recebem o que podem pagar e receber. (Não
é, pois, que não tenham preço - nivelariam
era o mercado por baixo, não muito, mas o suficiente.)
É no entanto justo (está ajustado) o preço
desta mercadoria e o preço que esta mercadoria paga -
evidentemente sempre em função dos clientes efectivos
e possíveis.
Piedade pois, piedade para o
público, piedade tanto para o seu sofrimento e sacrifício
como para a sua alegria - que estarão para além
da vergonha.
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