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Opinião       


 


Paulo Serra

O regresso do betão

Quando há alguns anos atrás António Guterres pugnava pela sua eleição como primeiro-ministro, escolheu como um dos seus principais slogans o de que (e cito de memória) "As pessoas estão primeiro!". Pretendia Guterres, com tal slogan, contrapor à chamada "política de betão" do cavaquismo - uma política que privilegiava a construção de estradas, pontes, viadutos e outras grandes obras públicas -, uma política que privilegiasse a solução dos grandes problemas das pessoas, nomeadamente a nível da Educação, da Saúde e da Justiça.
Passados que são cerca de cinco anos, forçoso é reconhecer - e Guterres reconhece-o implicitamente todos os dias, menos por palavras e acções do que por silêncios e omissões - o fracasso em levar à prática essa "política das pessoas". (Os exemplos são tantos e tão evidentes que me dispenso de os citar). E tendo falhado tal política, qual foi a solução óbvia escolhida? Precisamente o regresso à "política de betão" tão criticada em Cavaco Silva. Compreende-se tal regresso: por um lado, as obras são qualquer coisa de palpável, de visível, de permanente; por outro lado, e ao contrário das pessoas, as estradas, as pontes, os viadutos e as restantes obras públicas não se queixam, não protestam, não se manifestam quando as soluções adoptadas não resolvem ou resolvem mal.
Ao adoptar este caminho - que é, obviamente, o caminho do mais fácil, do que não exige soluções criativas e trabalho político sério, mas apenas "engenharia" - o engenheiro Guterres fornece, aos eleitores, mais uma razão de peso para a sua descrença na política; uma descrença materializada na frase, cada vez mais ouvida, de que "Eles (entenda-se: os políticos) são todos iguais...".
Estranho (e daí, talvez não) é que a viragem do senhor engenheiro para a "política de betão" é também, aqui entre nós (refiro-me à Beira Interior), a solução adoptada por todos aqueles que querem, rapidamente e em força, triunfar no seu cargozinho - no seu cargozinho político mas também no seu cargozinho noutros domínios que, não sendo "políticos" em sentido estrito, têm muitíssimo a ver com Política. Contra estes e contra Guterres há que, e por muito paradoxal que pareça, repetir o slogan eleitoral do próprio Guterres. Ou seja: façam obras, construam betão, mas não se esqueçam que, sem as pessoas, as obras e o betão não passam de coisas mortas...

 

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