O regresso do
betão
Quando há alguns anos
atrás António Guterres pugnava pela sua eleição
como primeiro-ministro, escolheu como um dos seus principais
slogans o de que (e cito de memória) "As pessoas
estão primeiro!". Pretendia Guterres, com tal slogan,
contrapor à chamada "política de betão"
do cavaquismo - uma política que privilegiava a construção
de estradas, pontes, viadutos e outras grandes obras públicas
-, uma política que privilegiasse a solução
dos grandes problemas das pessoas, nomeadamente a nível
da Educação, da Saúde e da Justiça.
Passados que são cerca de cinco anos, forçoso é
reconhecer - e Guterres reconhece-o implicitamente todos os dias,
menos por palavras e acções do que por silêncios
e omissões - o fracasso em levar à prática
essa "política das pessoas". (Os exemplos são
tantos e tão evidentes que me dispenso de os citar). E
tendo falhado tal política, qual foi a solução
óbvia escolhida? Precisamente o regresso à "política
de betão" tão criticada em Cavaco Silva. Compreende-se
tal regresso: por um lado, as obras são qualquer coisa
de palpável, de visível, de permanente; por outro
lado, e ao contrário das pessoas, as estradas, as pontes,
os viadutos e as restantes obras públicas não se
queixam, não protestam, não se manifestam quando
as soluções adoptadas não resolvem ou resolvem
mal.
Ao adoptar este caminho - que é, obviamente, o caminho
do mais fácil, do que não exige soluções
criativas e trabalho político sério, mas apenas
"engenharia" - o engenheiro Guterres fornece, aos eleitores,
mais uma razão de peso para a sua descrença na
política; uma descrença materializada na frase,
cada vez mais ouvida, de que "Eles (entenda-se: os políticos)
são todos iguais...".
Estranho (e daí, talvez não) é que a viragem
do senhor engenheiro para a "política de betão"
é também, aqui entre nós (refiro-me à
Beira Interior), a solução adoptada por todos aqueles
que querem, rapidamente e em força, triunfar no seu cargozinho
- no seu cargozinho político mas também no seu
cargozinho noutros domínios que, não sendo "políticos"
em sentido estrito, têm muitíssimo a ver com Política.
Contra estes e contra Guterres há que, e por muito paradoxal
que pareça, repetir o slogan eleitoral do próprio
Guterres. Ou seja: façam obras, construam betão,
mas não se esqueçam que, sem as pessoas, as obras
e o betão não passam de coisas mortas...
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