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Opinião       


 


Pedro Homero

O especialista

O Saber Científico, como oposto a Superstição, Dogma e Crença, tem uma base racional muito interessante. Quer-me parecer que é até aquilo que o safa, na medida em que se não fosse (ou melhor, não procurasse ser) assente em dados sólidos e comprováveis, pautados por uma apreciação/manipulação racional dos objectos de estudo, estava bem tramado se quisesse impor as suas descobertas. Claro que estamos fartos de saber que o/a cientista não é um mero espectador, que influencia inexoravelmente o objecto de estudo e que como tal o que deste se desprende é modificado pelo reflexo daquele, blá, blá, blá.
Seja como for isso ocorre com qualquer tipo de tentativa de conhecimento do que nos rodeia e de nós próprios, pelo que eu continuo a depositar o meu voto no conhecimento científico.
Contudo, existem certos erros no conhecimento em geral, e no científico em particular, que parecem existir para nos deitar a língua de fora, como que a dizer "toma, toma, pensavam que percebiam muito de _________ (inserir ramo aqui) e afinal não percebem nada!".
Há uns anos li, algures, que determinado cientista do fim do século passado (Séc. XIX, portanto) vaticinava que, na década de 30, em Nova Iorque, a quantidade de esterco de cavalo elevar-se-ia a uma altura de 7 (sete) andares, o que tornaria a vida na grande cidade insuportável. Tal vaticínio assentava na observação do crescimento demográfico da população nova iorquina e procurava ser o mais rigoroso possível - a população cresce desmesuradamente, a população precisa de ser transportada, a população é transportada por carroças puxadas por cavalos, serão precisas muitas carroças, muitas carroças equivalem a muito cavalos... está a ver, não é?
E, de facto, a população dessa cidade cresceu a um grande ritmo, aproximando-se o número real daquele imaginado pelo tal cientista. Acontece é que, entretanto, um bando de tipos que certamente não tinham mais nada que fazer desenvolveram uma carroça que dispensava a utilização do equídeo. Chamaram-lhe automóvel, eliminaram o perigo das montanhas de esterco e deram descanso aos animais.
Há meses soube de uma outra anedota. Certos sociólogos, não me lembro quais, espero que me perdoe esta falta de 'rigor científico', nos anos 50, previam que os jovens nos anos 60 casar-se-iam mais cedo que as gerações anteriores, e seriam mais conservadores, tanto nos ideais como na maneira de vestir, por exemplo. Azar dos azares, surgiu o movimento 'hippie' com toda a força que se lhe conhece. Outro caso, portanto, em que um factor completamente novo e imprevisível veio ruborescer as faces de quem supostamente sabia o que estava a dizer.
Estes exemplos caricatos (que pena que não tenho mesmo as referências completas) ilustram relativamente bem o terreno lamacento do 'especialista', esse ser desconhecido que parece saber cada vez mais de cada vez menos. Sobre o especialista recai o peso do conhecimento específico. É suposto ele saber tudo sobre uma determinada área do conhecimento e, portanto, ter o direito/dever de opinar sobre tal assunto. O especialista debruça-se por completo no 'seu' assunto. É uma autoridade na matéria. Dedica uma vida inteira (a única que tem, ainda por cima) ao estudo do seu ramo. E no entanto, muitos são aqueles que são gigantes com pés de barro, como os 'especialistas' de arte que autenticaram exemplares de pinturas famosíssimas, patentes nos mais conceituados museus, como sendo de facto as originais, tratando-se na realidade de cópias do mestre de falsificação El Mir.
E é assim que o conhecimento, científico ou não, tropeça nas ratoeiras que aparecem no seu caminho, sejam as colocadas por sabichões mais espertos do que os 'conhecedores' (como é o caso das falsificações de corpos mumificados, obras de arte, etc.) sejam aquelas que vêm do futuro, atiradas para a frente do especialista por factores não previstos.
Não há que ter medo, no entanto: a máquina neo-liberal está bem oleada (ou não rolasse com os fluídos de milhões) e por isso os 'especialistas' continuarão a ter os seus lugares cativos e a sua importância mais ou menos imaculada. Até porque, e pegando no exemplo de El Mir, as suas falsificações são agora quase tão valiosas como os 'originais' que este brincalhão copiava.

 

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