O especialista
O Saber Científico, como
oposto a Superstição, Dogma e Crença, tem
uma base racional muito interessante. Quer-me parecer que é
até aquilo que o safa, na medida em que se não
fosse (ou melhor, não procurasse ser) assente em dados
sólidos e comprováveis, pautados por uma apreciação/manipulação
racional dos objectos de estudo, estava bem tramado se quisesse
impor as suas descobertas. Claro que estamos fartos de saber
que o/a cientista não é um mero espectador, que
influencia inexoravelmente o objecto de estudo e que como tal
o que deste se desprende é modificado pelo reflexo daquele,
blá, blá, blá.
Seja como for isso ocorre com qualquer tipo de tentativa de conhecimento
do que nos rodeia e de nós próprios, pelo que eu
continuo a depositar o meu voto no conhecimento científico.
Contudo, existem certos erros no conhecimento em geral, e no
científico em particular, que parecem existir para nos
deitar a língua de fora, como que a dizer "toma,
toma, pensavam que percebiam muito de _________ (inserir ramo
aqui) e afinal não percebem nada!".
Há uns anos li, algures, que determinado cientista do
fim do século passado (Séc. XIX, portanto) vaticinava
que, na década de 30, em Nova Iorque, a quantidade de
esterco de cavalo elevar-se-ia a uma altura de 7 (sete) andares,
o que tornaria a vida na grande cidade insuportável. Tal
vaticínio assentava na observação do crescimento
demográfico da população nova iorquina e
procurava ser o mais rigoroso possível - a população
cresce desmesuradamente, a população precisa de
ser transportada, a população é transportada
por carroças puxadas por cavalos, serão precisas
muitas carroças, muitas carroças equivalem a muito
cavalos... está a ver, não é?
E, de facto, a população dessa cidade cresceu a
um grande ritmo, aproximando-se o número real daquele
imaginado pelo tal cientista. Acontece é que, entretanto,
um bando de tipos que certamente não tinham mais nada
que fazer desenvolveram uma carroça que dispensava a utilização
do equídeo. Chamaram-lhe automóvel, eliminaram
o perigo das montanhas de esterco e deram descanso aos animais.
Há meses soube de uma outra anedota. Certos sociólogos,
não me lembro quais, espero que me perdoe esta falta de
'rigor científico', nos anos 50, previam que os jovens
nos anos 60 casar-se-iam mais cedo que as gerações
anteriores, e seriam mais conservadores, tanto nos ideais como
na maneira de vestir, por exemplo. Azar dos azares, surgiu o
movimento 'hippie' com toda a força que se lhe conhece.
Outro caso, portanto, em que um factor completamente novo e imprevisível
veio ruborescer as faces de quem supostamente sabia o que estava
a dizer.
Estes exemplos caricatos (que pena que não tenho mesmo
as referências completas) ilustram relativamente bem o
terreno lamacento do 'especialista', esse ser desconhecido que
parece saber cada vez mais de cada vez menos. Sobre o especialista
recai o peso do conhecimento específico. É suposto
ele saber tudo sobre uma determinada área do conhecimento
e, portanto, ter o direito/dever de opinar sobre tal assunto.
O especialista debruça-se por completo no 'seu' assunto.
É uma autoridade na matéria. Dedica uma vida inteira
(a única que tem, ainda por cima) ao estudo do seu ramo.
E no entanto, muitos são aqueles que são gigantes
com pés de barro, como os 'especialistas' de arte que
autenticaram exemplares de pinturas famosíssimas, patentes
nos mais conceituados museus, como sendo de facto as originais,
tratando-se na realidade de cópias do mestre de falsificação
El Mir.
E é assim que o conhecimento, científico ou não,
tropeça nas ratoeiras que aparecem no seu caminho, sejam
as colocadas por sabichões mais espertos do que os 'conhecedores'
(como é o caso das falsificações de corpos
mumificados, obras de arte, etc.) sejam aquelas que vêm
do futuro, atiradas para a frente do especialista por factores
não previstos.
Não há que ter medo, no entanto: a máquina
neo-liberal está bem oleada (ou não rolasse com
os fluídos de milhões) e por isso os 'especialistas'
continuarão a ter os seus lugares cativos e a sua importância
mais ou menos imaculada. Até porque, e pegando no exemplo
de El Mir, as suas falsificações são agora
quase tão valiosas como os 'originais' que este brincalhão
copiava.
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