Mostrar
"Noites" é um
filme cheio de uma grande vontade de real. Não é
aí que está o problema. Só que, para além
disso, quer mostrar o real. Aí sim, aí o filme
dá-se a ver como projecto e, inevitavelmente, falha. (Se
bem que as duas coisas sejam uma só no filme.) Não
há nenhuma câmara que consiga ver o real. Por conseguinte,
o real não pode ser mostrado. Esse é o primeiro
dado. Consciente disso, Cláudia Tomaz quis implicar o
seu corpo. É a sua ética.
Mas, mesmo assim, só o filme é real - e não
as imagens sobredeterminadas de Cláudia Tomaz drogando-se
e procurando agir e sentir como os drogados. O filme é
mesmo mais real que o que "mostra". Ainda que a implicação
do corpo possa e deva ser necessária, ainda que possa
ser necessária para fazer cinema, não se faz cinema
com isso. Invocar uma santa ingenuidade, ou uma ética,
não livra o autor do peso de fazer um filme nem o expectador
do peso de ver um filme. Ainda que o autor, pessoalmente, aceda
a um conhecimento, não basta viver, e muito menos "mostrar"
como se vive ou se pode viver para que o que se mostra seja real.
Claudia Tomaz filmou a predisposição dos corpos
(do seu corpo, da luz que a sua pele recebe, das linhas que o
seu movimento próprio desenha) para a câmara: é
o real do seu filme.
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